Akon e a cidade futurista: Quais os objetivos das “comunidades particulares”?

Akon e a cidade futurista: Quais os objetivos das “comunidades particulares”?

Durante o Festival de Cannes de 2018, o cantor senegalês Akon anunciou o projeto da construção de uma cidade futurista em seu país natal. Em janeiro deste ano, via Twitter, ele anunciou que o país havia finalizado o processo para a criação da Akon City. Mais recentemente, no dia 15 de junho, o projeto ganhou mais um passo adiante. Via Instagram, o cantor anunciou um acordo de US$ 6 bilhões com a KE International e a primeira fase do projeto deve ser concluída até 2023. Nesta etapa, serão construídos uma estrada, um hospital, um shopping, residências, hotéis, uma delegacia de polícia, uma escola, uma usina de tratamento de resíduos e uma usina de energia solar. Na segunda fase, que deve ocorrer entre 2024 a 2029, a cidade ganhará sua própria criptomoeda, a AKOIN.

Confesso que preciso fazer uma pausa e dizer uma coisa, caro leitor(a)… O primeiro parágrafo deste texto mais parece o trecho de um livro do George Orwell. Cidade futurista, controlada por um bilionário egocêntrico (Akon que me desculpe, mas criar uma cidade e uma moeda com o próprio nome é muito egocentrismo). Mas vamos continuar nossa jornada, pois quero contar muito mais sobre este e outros projetos.


Leia também: Como serão as cidades do futuro nos próximos 100 anos?


Voltando a Akon City, a KE International — empresa que será responsável pelo projeto — é conhecida pelo desenvolvimento da Cidade Médica e Tecnológica de Mwale (MMTC, em inglês). Uma cidade sustentável localizada no Quênia, onde o investidor Julius Mwale construiu residências e um hospital para tratamento de câncer; todos alimentados por uma usina de energia solar. O projeto ainda contempla um aeroporto, shoppings, parque aquático e um resort de golfe. No mapa abaixo dá para se ter uma ideia da cidade e encontrei um vídeo com mais detalhes.

The Hamptons -Butere Kenya (Mwale Medical and Technology City)The Hamptons -Butere Kenya (Mwale Medical and Technology City)

Curiosamente, Mwale é um investidor bem reservado. Segundo o site Nairobi News, um dos pouquíssimos que citam a biografia do investidor, ele é um “ex-soldado da Força Aérea do Quênia, mas fugiu para os EUA em 2000, em busca de asilo político após uma amarga briga com as autoridades de seu país.” As décadas que antecederam a fuga são anos conturbados no Quênia. Governado por Daniel Arap Moi desde 1978, o país vivia um cenário monopartidário. Segundo O Globo, “anos depois, com Moi já fora do poder, foram reveladas algumas atrocidades cometidas pelo regime, como a tortura de dissidentes e massacres, como o de Wagalla, em 1994, onde cerca de 5 mil homens de origem somali foram executados pelos militares quenianos. A corrupção também ficou marcada como um símbolo de seu governo.”

Cidade futurista: Um luxo para ricos e pouco impacto

Segundo o comunicado, “a KE International construirá a Akon City para ser ‘Líder em Energia e Design Ambiental’ (LEED), a segunda cidade na África com esta certificação, depois do MMTC no Quênia.” Depois de procurar saber mais sobre a MMTC, percebi que a cidade futurista do Quênia está mais para um condomínio fechado com iniciativas verdes, do que uma cidade do futuro. Mas a Akon City promete mais. Com projetos arquitetônicos da Bakri & Associates Development Consultants, empresa com sede em Dubai, a proposta é que a região tenha prédios futuristas, com formas orgânicas, que mais parecem ter saído de Wakanda (país fictício e lar do super-herói Pantera Negra) — veja abaixo.

Akon City: A cidade futurista dos ricos, se não virar cidade fantasma

Criar uma cidade custa caro. A MMTC já consumiu mais de 2 bilhões e está longe de ser uma Wakanda. Algo ridiculamente pequeno, quando comparado com os 500 bilhões de dólares investido pelo príncipe saudita Mohammed bin Salman, em seu projeto de cidade futurista, a Neom — leia mais sobre o projeto no texto “Neom: A megacidade e o sonho futurista de US$ 500 bilhões do príncipe saudita.” Além do investimento financeiro, o custo de uma cidade futurista, para a família real saudita, também inclui vidas. Segundo a BBC, “em 13 de abril [de 2020], um homem chamado Abdul Rahim al-Huwaiti postou vídeos alertando o mundo que as forças de segurança sauditas estavam tentando despejar ele e outros membros da tribo Huwaitat de sua terra natal, no extremo noroeste do país, para limpar a região [onde será construída a Neom].” No vídeo (disponível com legenda em inglês), divulgado por Alya Abutayah Alhwaiti, uma ativista saudita de direitos humanos da mesma tribo; mostra Abdul afirmando esperar que as autoridades plantassem armas em sua casa para incriminá-lo. Mais tarde ele foi morto pelas forças de segurança sauditas, que alegaram terem sido alvejadas por Abdul, tendo que abrir fogo contra o homem.

Os Huwaitat fazem parte de uma tribo beduína tradicional e muito antiga. Antes nômade, a tribo vivia nos dois lados da fronteira com a Jordânia e é mencionada no livro “Sete Pilares da Sabedoria”, de T. E. Lawrence, o oficial britânico também conhecido como Lawrence da Arábia. Descritos como guerreiros destemidos, os Huwaitat lutaram ao lado de Lawrence na Revolta Árabe 1916-1918, mas não se opunham a construção de Neom. “Eles simplesmente não querem ser expulsos à força de uma terra em que suas famílias vivem há gerações”, afirma a ativista saudita Alhwaiti.

O príncipe Salman sabe que os Huwaitat podem complicar os planos da cidade futurista, tanto que — no meio da pandemia de Covid-19 —, em junho de 2020, contratou uma empresa de relações públicas dos EUA por US$ 1.7 milhão para combater as críticas e controvérsias em torno do projeto da cidade. Salman sabe que, se algo sair errado, sua cidade futurista pode virar uma grande cidade fantasma, a exemplo da California City. O projeto nos EUA falhou no planejamento e hoje, grande parte dos seus 527km², são toneladas de areia com pequenas demarcações. Conheça o projeto no texto “California City: O (mau) planejamento que criou uma cidade fantasma.

Nos EUA, Japão e Brasil, a “cidade do futuro” são laboratórios e experimentos mais realistas 

Anunciada para 2018, a Innovation Park é outro projeto de cidade futurista que quase falhou e agora foi adiada para 2022. Em 2017, Jeffrey Berns fez uma fortuna vendendo criptomoedas. Em 2018, ele comprou uma área de mais de 27.000 hectares, no Estado de Nevada (EUA), e quer transformá-la em uma cidade inteligente alimentada por blockchain. O local foi nomeado de Innovation Park e seus vizinhos são gigantes da tecnologia, com nomes muito bem conhecidos no mundo todo, como Google, Apple e Tesla. A área também abriga a sede da empresa do próprio Jeffrey Berns, a Blockchains — uma incubadora que apoia empresas usando a tecnologia blockchain.


Leia também: OSD 11: Quayside – O bairro do futuro do Google


Além de construções residenciais para os milhares de habitantes de Innovation Park, o projeto arquitetônico, assinado pelas empresas Ehrlich Yanai Rhee Chaney Architects e Tom Wiscombe Architecture, também conta com um parque que engloba conceitos de alta segurança, inteligência artificial, impressão 3D e nanotecnologia. Espaços para instituições financeiras e conceitos de varejo, centros cívicos e áreas verdes para promover reuniões de grupos e desenvolvimento de ideias também estão inclusos na proposta. E os veículos autônomos e elétricos não foram deixados de fora da cidade inteligente de Jeffrey Berns – lá, eles também são vistos dentro e fora dos edifícios. Innovation Park também usará fontes de energia renováveis, como energia solar e eólica, e água reciclada.

Blockchains | Sandbox CityBlockchains | Sandbox City

No Brasil, em Croatá, localizada em São Gonçalo do Amarante (cerca de 50 km da capital Fortaleza), a região cearense está vendo uma cidade inteligente nascer do zero. O projeto, liderado pelas italianas Planeta Idea e SocialFare, com apoio do Centro de Empreendedorismo da Universidade de Tel Aviv, será o primeiro protótipo real de cidade inteligente para população de baixa renda. Além disso, a região será dividida em três lotes: lote residencial (com valores a partir de 25 mil reais, pagos em até 120 vezes e corrigidos pelo INCC), o polo comercial (com valores a partir de 38 mil reais e também pagos em até 12 vezes) e a área industrial, que contempla a Ferrovia Transnordestina e o Porto de Pecém.

Por fim, no Japão, a Toyota anunciou no início do ano a construção de uma cidade inteligente próxima ao Monte Fuji. O projeto Woven City foi apresentando durante a CES 2020 e terá 175 acres, além de um ecossistema totalmente conectado. Apesar de parecer bem interessante, publicamos o texto em janeiro questionando alguns detalhes do projeto. Você pode ler mais aqui. Com investimento de US$ 1 bilhão, as construções do projeto estavam previstas para começar em 2020, e a região deve começar a receber seus primeiros moradores em 2022.

Leia também: 

Compartilhe esse artigo: