A proteína do futuro já está no presente, por Stephanie Blum

A proteína do futuro já está no presente, por Stephanie Blum

Quando eu estudava na USP, costumava frequentar o famoso bandejão, “bandex” para os mais íntimos. Não era todo dia, mas foi uma opção bem comum nos (muitos) anos em que fiquei por lá. Eram 4 restaurantes (Física, Química, Central e PCO) que atendiam os estudantes e funcionários da universidade com preço subsidiado. Por R$1,90 tínhamos direito a uma refeição completa: arroz, feijão, salada e “mistura” (termo que aprendi lá), mais uma bebida – água colorida cheia de açúcar – e uma sobremesa (uma fruta). Pelo preço, baita negócio!

Existia um site no qual você podia ver o cardápio dos restaurantes para decidir em qual restaurante você queria almoçar, geralmente eu escolhia ir ao bandejão que estava servindo strogonoff de carne ou coxa de frangossauro. Dentre as demais especialidades do chef estavam a carne ao molho madeira (a.k.a madeira com molho de carne) e a famosa torta Madalena, que eu nunca tinha ouvido falar antes de frequentar o local. Uma das coisas também importantes de se atentar é que a gente precisava levar em conta o quanto ia andar até chegar no bandejão escolhido e o tamanho estimado da fila. Meio-dia na química? Nem pensar! 30 minutos em pé aguardando para entrar, no mínimo.

Eis que um belo dia, fuçando o cardápio do dia para decidir aonde ir, apareceu uma opção alternativa que eu não fazia a menor ideia do que era: o PVT (Proteína Vegetal Texturizada). “Comida de vegano”. Passei longe todas as vezes em que vi servindo.

O bandejão tem hora para fechar, depois das 14h ninguém mais entra. Um dia, saindo do treino de atletismo e morrendo de fome, corri para chegar a tempo de almoçar em um dos restaurantes, mas não deu para olhar o cardápio antes. Já lá dentro, vi as duas opções do dia: o tal do PVT ou peixe. Decidi que era o dia de provar aquela almôndega estranha… e depois de algumas mordidas eu me jurei que nunca mais na minha vida ia comer carne vegetal.

Tive problema com o PVT em vários sentidos, literalmente: Aparência estranha, cheiro desconhecido, gosto ruim, textura esquisita. Se dependesse da audição eu também não botava fé que ia curtir o som daquilo no meu estômago.

Quase dez anos depois, cá estou eu escrevendo sobre o tema.

O que é carne vegetal?

A carne vegetal é produzida através de (tchã-nã-nã-nã): vegetais.

Em geral, a carne vegetal que está no mercado hoje em dia é uma mistura de diversos vegetais, os de uso mais comum são o grão de bico, a soja e a ervilha (3 grãos que detesto!) Em alguns casos, utiliza-se também a beterraba para dar cor ao produto. Além disso, são adicionados alguns outros ingredientes – como gordura vegetal, sal, açúcar, condimentos preparados e outras substâncias sintetizadas em laboratório – seja para dar gosto ou para imitar a aparência e a textura da carne animal. De qualquer forma, trata-se de um produto feito com 100% de ingredientes vegetais.

“Carne vegetal” ou “carne feita de plantas” são alguns dos termos utilizados para nomear esses alimentos. Ainda não há uma regulamentação oficial que estabeleça modos de produção padronizados nem uma nomenclatura de consenso.

Os produtos plant-based têm ganhado destaque nas estantes dos supermercados brasileiros. Estes produtos pretendem atender tanto à demanda de consumidores que buscam uma dieta vegetariana / vegana, quanto pessoas que procuram reduzir a ingestão de produtos animais (os chamados flexitarianos). Tais alimentos utilizam um processamento industrial complexo para tentar aproximar os produtos vegetais ao sabor, aparência e textura do alimento à base animal.

Leia também: Os alimentos plant-based que imitam carne são feitos para quem?

E não é só de carne que estamos falando; o leite vegetal, por exemplo, pode ser produzido a partir de amêndoas, soja, coco e outros vegetais. Mas não se engane: Há diferenças entre a proteína animal e vegetal. A principal delas é a quantidade de aminoácidos que cada alimento contém.

O que é um aminoácido? O que é uma proteína? Para que servem?

Os aminoácidos são substâncias orgânicas compostas por carbono (C), hidrogênio (H), oxigênio (O) e nitrogênio (N) em uma certa estrutura tridimensional que foi nomeada por quem entende da coisa – não é meu caso, vide a recuperação que peguei de química com a terrível Dona Beth.

Existem 20 tipos de aminoácidos na natureza que são necessários para nosso organismo e somos capazes de sintetizar 11 deles através de reações que eu não saberia descrever. Portanto, é preciso adquirir os demais aminoácidos essenciais (histidina, isoleucina, leucina, valina, lisina, metionina, fenilalanina, treonina e triptofano) através da alimentação.

O termo proteína é dado quando há muitos – dezenas, centenas ou até milhares de – aminoácidos ligados em uma cadeia, formando um polipeptídio; e considera-se uma fonte completa de proteína aquele alimento que fornece esses 9 tipos de aminoácidos essenciais para o organismo. Grande parte das proteínas animais (carne, frango, peixe, ovo e leite) são fontes completas de proteína.

Já com as proteínas vegetais, a história é outra. A grande maioria delas é uma fonte incompleta, o que quer dizer que não possuem pelo menos um dos aminoácidos essenciais e as demais têm uma quantidade bastante limitada de algum deles. No caso, para quem opta por uma dieta sem produtos de origem animal, é preciso combinar diversos alimentos para que todas as necessidades do organismo sejam atendidas.

Para a bendita carne vegetal, há um mix de matérias primas que permite que o resultado atenda às mesmas necessidades nutricionais que uma carne animal pode suprir. Problema resolvido? Não exatamente…

A troca da proteína animal pela vegetal e o futuro da alimentação

Alimentos ricos em proteína são essenciais para o bom funcionamento do corpo, elas estão relacionadas com o processo de crescimento, reparo e manutenção dos músculos, tecidos e órgãos e da produção de hormônios. Também são responsáveis por outras funções dentro do nosso organismo como o transporte de moléculas, catalisação de reações metabólicas, formação de neurotransmissores e células imunológicas.

O maior benefícios percebido (por mim) da carne vegetal é que ela é melhor para o meio ambiente, já que a agropecuária é uma das principais causas da emissão de gases responsáveis pelo efeito estufa e também pelo alto consumo de energia e água por Kg de carne produzido. Também diminui o sofrimento animal e é uma boa opção para quem é ou quer se tornar vegetariano/vegano, mas não consegue renunciar à carne.

De acordo com alguns nutricionistas, as proteínas vegetais, além de serem uma ótima opção para pessoas intolerantes e alérgicas à proteína animal, revelam uma melhor digestibilidade. Por isso, devem ser incluídas ao cardápio de qualquer pessoa, mesmo quem não é vegetariano ou vegano.

Então é mais saudável? Pergunta difícil de ser respondida com um “sim” ou “não”. As fontes de proteína animal podem trazer consigo grande teor de gordura saturada, responsável pelo maior risco de desenvolvimento de doenças crônicas – ponto para a carne vegetal. Ao mesmo tempo, apesar da proposta da carne vegetal ser um alimento mais saudável, na maioria dos casos ela é uma comida ultraprocessada. Lembra daquelas substâncias que foram adicionadas durante o processo de produção? Quando consumidas em excesso, esses alimentos podem causar obesidade, aumento do colesterol e diversas outras doenças. Considero um empate técnico.

Assim como startups internacionais (Impossible Foods e Beyond Meat) inovaram no mercado internacional, a brasileira Fazenda Futuro lançou o “Futuro Burguer” em 2019, um hambúrguer plant-based que chamou a atenção da mídia para a carne vegetal. Grandes corporações como JBS, Marfrig e BRF seguiram a tendência e estão trazendo produtos feitos a partir de vegetais ao mercado. Além disso, diversas redes de fast-food (como, por exemplo, Burguer King, McDonald’s e Outback) passaram a oferecer opções plant-based nos últimos anos.

Leia também: World Changing Ideas 2020: De casas impressas a linguiça plant-based

A carne vegetal vem ficando mais popular (leia-se: conhecida e acessível) e certamente não parece com aquele PVT que provei. Mas, por 30 reais a bandeja de 500g, certamente o Hamburguer Futuro ainda não está no bandejão da USP.

De acordo com um estudo de 2019 da Kearney (antiga AT Kearney), uma famosa consultoria americana, a maior parte da carne que as pessoas comerão em 2040 não virá de animais abatidos. Segundo o relatório, 60% dessa carne será cultivada em laboratórios ou substituídos por produtos à base de vegetais. A previsão é que a carne cultivada em laboratório – quando custar BEM menos de 200 dólares o quilo – dominará o mercado pois, quando comparada aos produtos plant-based, chega mais perto da carne real que conhecemos.

Se eu provei de novo carne vegetal? Ainda não, mas já está na geladeira. “Nunca diga nunca”, não é mesmo?

Atenção: Esse texto foi escrito por uma carnívora (flexitariana) com alguma experiência no setor alimentício, porém sem formação acadêmica no assunto. Consulte seu médico ou nutricionista antes de abandonar completamente a proteína animal ou tentar fazer qualquer dieta maluca sozinho.

Stephanie Blum é Bacharel em Matemática Aplicada pela Universidade de São Paulo e Mestre em Inovação e Empreendedorismo pela Brown University. Especialista em inovação aberta e apaixonada por empreendedorismo científico e pelo setor de alimentos. Publica seus artigos sobre inovação no LinkedIn às segundas-feiras.

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Créditos: Imagem Destaque – barmalini / Shutterstock

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