O fim da CNH é um retrato do nosso futuro, mas devemos prestar atenção

O fim da CNH é um retrato do nosso futuro, mas devemos prestar atenção

No podcast n.65 do InovaSocial (ouça abaixo), falamos sobre a “Cidade de 15 minutos”, conceito criado pelo cientista franco-colombiano Carlos Moreno, que refere-se à uma cidade onde tudo o que precisamos está a apenas 15 minutos de distância a pé. Anteriormente, já tínhamos aprofundado o tema no texto “O que é inovação social e qual o papel dela nas novas cidades?”. Uma cidade mais humana, com menos ode ao automóvel e repensada para curtas distância muda tudo, não só a mobilidade e a forma como vivemos, mas — também — como trabalhamos, consumimos e existimos.

Essas mudanças vêm alterando alguns pontos importantes em nossas cidades. Um destes fatores são as emissões da Carteira Nacional de Habilitação (CNH). Segundo dados do Departamento Nacional de Trânsito (Denatran), as emissões das carteiras de motorista para condutores na faixa dos 18 a 21 anos caiu mais de 20% em três anos (período entre 2014 e 2017; de 1.2 milhão para 939 mil habilitações). Em Mato Grosso do Sul, o número vem caindo nos últimos anos — de 200.310 (2017) para 192.723 (2019) e, este ano, o número deve ficar pouco acima dos 162 mil.

Segundo pesquisas do Ibope (2019), apenas 27% dos homens e mulheres com até 25 anos têm CNH. Esse desinteresse pela habilitação é uma soma de fatores; o elevado custo de um veículo próprio, a perda do status do carro novo e as mudanças nas cidades — como o incentivo público para outros modais e a revisão dos Planos Diretores. É claro que estamos longe do mundo ideal — as ciclovias, por exemplo, ainda são uma discussão polêmica em grandes centros urbanos, como a cidade de São Paulo. Mas isso talvez também seja resultado de uma cultura focada nos carros. Aliás, segundo o DETRAN-SP, São Paulo é o estado brasileiro com maior frota de veículos, ultrapassando os 30 milhões em 2020; reflexo de uma herança que mistura fenômenos históricos, como a criação do polo automotivo do Grande ABC e o incentivo nacional para a compra de veículos.

O carro não é exatamente um bicho-papão, desde que seja repensado. Nos próximos anos, o carro movido a combustível vai perder cada vez mais espaço, os autônomos devem virar realidade e outros modais devem surgir. No primeiro trimestre de 2020, publicamos o texto “Citroën Ami: Uma alternativa para mobilidade urbana”, que apresentava um veículo elétrico para pessoas acima dos 14 anos. Ainda no mesmo período, publicamos o texto “Micromobilidade: Spin expande para a Europa e patinetes da Uber chegam a São Paulo”, sobre o mercado de patinetes elétricos. Para completar, ainda temos os carros voadores, ou aviões elétricos para decolagem e aterrissagem vertical (EVTOL) — sobre este, indicamos que leia o texto “‘Micromobilidade e carro voador, você embarcaria?’, por Michel Levy”.

Vale lembrar que mobilidade não são apenas veículos e temos as ressignificações dos espaços da cidade; resumir a mobilidade ao fim da CNH seria algo muito simplista. Como falamos no podcast, edifícios mistos, que unificam espaços residenciais, corporativos e comércio em uma só torre parecem desenhar nosso futuro nas grandes cidades. É neste cenário que entra a importante tríplice da sociedade: poder público, setor privado e o cidadão. Não adianta querer uma cidade melhor, mas deixar a tarefa a cargo de apenas um destes poderes.

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Segundo professor universitário Luiz Afonso Senna, PhD em Transportes pela Leeds University (Inglaterra) e ex-diretor da Agência Nacional de Transporte Terrestre (ANTT), “o avanço dos aplicativos de transporte pode ampliar os congestionamentos nas metrópoles e ameaçar o transporte coletivo.” Um relatório divulgado em 2018, estudou dados de oito cidades americanas e do estado da Califórnia e chegou à conclusão de que 60% dos usuários fariam deslocamentos a pé, de bicicleta, de ônibus ou de trem se não houvesse o serviço.

Ou seja, a CNH pode estar com os dias contados, mas não podemos achar que isso signifique uma cidade mais amigável ou sem trânsito. Precisamos prestar atenção se não estamos direcionando nosso caminho para soluções que possam virar um grande problema no futuro. E, já dizia o velho ditado popular, é melhor prevenir do que remediar.

Imagem Destaque: rafapress/Shutterstock

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