A inteligência artificial pode nos entender?

A inteligência artificial pode nos entender?

Nós, humanos, estamos constantemente tentando entender e interpretar o mundo ao nosso redor. E o mesmo acontece com a nossa busca por compreender e nos comunicar com outras formas de inteligência, sejam elas animais ou até mesmo inteligências artificiais.

Nessa busca, é comum atribuirmos mais inteligência do que realmente existe em alguns casos. Para discutir essa questão, é preciso mergulhar no passado e em uma história bastante peculiar: a de Clever Hans (também conhecido como Hans, o Esperto) – o cavalo que viveu na Alemanha no início do século XX e supostamente sabia fazer contas matemáticas complexas. No entanto, a verdade é que Clever Hans não fazia as contas, mas sim observava as reações das pessoas ao seu redor – o que também é algo muito impressionante.

O processo era interessante: Clever Hans recebia uma pergunta matemática e, para responder, começava a bater sua pata no chão. O número de batidas correspondia à resposta da conta. Porém, o cavalo na verdade estava atento às mudanças sutis de expressão e postura das pessoas que sabiam a resposta. Quando percebia que alguém dava algum sinal involuntário de que a resposta correta havia sido alcançada, ele parava de bater a pata. Desse modo, parecia que ele estava resolvendo a conta, quando na verdade estava apenas lendo as pistas não verbais das pessoas presentes.

Hoje em dia, a inteligência artificial (IA) avança rapidamente, e não é uma tarefa difícil encontrar pessoas que acreditam piamente que a IA as compreende. Mas será que isso é verdade? Ou será que estamos vivenciando nosso próprio momento “Clever Hans” através de nossa experiência com a inteligência artificial.

Alguns filósofos argumentam que os computadores nunca entenderão a linguagem humana. Para ilustrar isso eles desenvolveram o “argumento do quarto chinês”. Nele, uma pessoa que não compreende chinês segue instruções que o permitem responder em chinês a qualquer frase recebida. Para alguém de fora, parecerá que essa pessoa entende chinês, mas sabemos que não é verdade, já que ela está apenas seguindo instruções. A inteligência artificial, como ChatGPT, funciona de maneira semelhante, seguindo um conjunto complexo de instruções para compreender e responder.

Será que isso significa que a IA nos entende? Para responder a essa pergunta, é preciso comparar o funcionamento interno de uma IA com o de uma pessoa que realmente entende a linguagem. No cérebro humano, podemos utilizar exames de imagem, como ressonância magnética funcional (fMRI) ou eletroencefalograma (EEG), para observar como as informações são processadas e representadas durante a leitura. Essas imagens são como “fotos borradas” do cérebro, mostrando como ele utiliza a linguagem.

Já no caso da IA, temos as redes neurais, que processam a linguagem por meio de neurônios simulados. Esses neurônios geram números que nos dizem algo sobre como a rede neural está processando a linguagem. Ao comparar essas representações, o objetivo dos pesquisadores, cientistas e da comunidade envolvida é entender se a IA está realizando um processo análogo ao que ocorre no cérebro humano.

Para isso, pesquisadores treinaram modelos de inteligência artificial para prever o padrão de atividade cerebral relacionado ao processamento de linguagem, com base no funcionamento de redes neurais artificiais.

Alona Fyshe, pesquisadora da Universidade de Alberta (Canadá, EUA), é uma das cientistas que têm se dedicado a investigar as semelhanças entre o aprendizado e a representação de informações em cérebros humanos e em redes neurais artificiais. Em suas pesquisas, Alona tem mostrado como a IA pode ser treinada para prever padrões de atividade cerebral relacionados ao processamento de linguagem, o que pode ajudar a entender melhor como a linguagem é processada no cérebro humano.

Segundo Alona, em uma dessas pesquisas, os resultados indicaram que em 75% das vezes as previsões feitas pelos modelos de inteligência artificial eram mais semelhantes aos padrões reais de atividade cerebral do que a padrões gerados aleatoriamente. Essa correspondência se manteve válida mesmo quando analisadas sentenças e narrativas mais complexas. Isso foi observado não apenas na linguagem, mas também em tarefas de navegação espacial e processamento de imagens visuais.

Então, isso significa que as redes neurais e a IA entendem a linguagem como nós? A resposta curta para essa pergunta é: não. Embora as tarefas presentes no estudo de Alona mostrem uma precisão superior a um mero palpite, as correlações ainda são fracas. Além disso, as redes neurais não têm a mesma estrutura e complexidade do cérebro humano e não vivenciam o mundo como nós.

Atualmente, a IA enfrenta dificuldades em lidar com aspectos mais sutis da linguagem, como nuances, ambiguidades, sarcasmo e contextos culturais específicos. Essas limitações tornam-se aparentes quando a IA interpreta mal o significado pretendido de uma frase ou não consegue distinguir entre diferentes sentidos de uma palavra. Essas falhas mostram que, apesar de seu progresso, a IA ainda tem um longo caminho a percorrer para alcançar a verdadeira compreensão da linguagem humana.

A busca pela compreensão da linguagem por parte da IA também levanta questões éticas e sociais importantes. À medida que a IA se torna cada vez mais integrada em nossas vidas, preocupações com privacidade, segurança e responsabilidade pelas decisões tomadas por sistemas de IA ganham destaque; e é extremamente importante considerar como essas tecnologias afetam a sociedade e estabelecer diretrizes e regulamentações adequadas para garantir seu uso responsável e ético.

Ok, mas e o futuro?

Considerando o rápido avanço da tecnologia, é importante olhar para o futuro e antecipar como a inteligência artificial e a linguagem podem evoluir. A pergunta “a IA entende a linguagem?” pode parecer até um pouco “boba” daqui a alguns anos – ou até mesmo meses. No futuro, podemos esperar novas abordagens e avanços na pesquisa sobre IA e linguagem. Isso pode incluir técnicas aprimoradas de treinamento de redes neurais, aprendizado não supervisionado e maior capacidade da IA de lidar com nuances e ambiguidades.

Conforme a tecnologia evolui, é essencial acompanhar e avaliar seu progresso em direção a uma compreensão mais completa e humana da linguagem, garantindo que a inteligência artificial se torne uma ferramenta cada vez mais eficaz e valiosa para a sociedade.

Diante de todo esse cenário e com todas essas questões, uma coisa permanecerá verdadeira: somos seres humanos buscando significado e continuaremos a interpretar o mundo ao nosso redor. Precisamos lembrar que, se olharmos apenas para a “entrada” e “saída” da inteligência artificial, é fácil sermos enganados. E, para realmente compreender a IA, precisamos entrar nesse quarto chinês metafórico e observar o que está acontecendo lá dentro. Afinal, o que está por dentro é o que realmente conta.

The Chinese Room Experiment | The Hunt for AI | BBC StudiosThe Chinese Room Experiment | The Hunt for AI | BBC Studios

Créditos: Imagem Destaque – korkeng/Shutterstock

Compartilhe esse artigo: