Afinal, onde o sistema financeiro se encaixa na agenda climática? 

Afinal, onde o sistema financeiro se encaixa na agenda climática? 

Se engana quem pensa que apenas as cadeias de transformação serão afetadas pelo novo paradigma da responsabilidade ambiental. Direta ou indiretamente, mesmo as indústrias que não atuam com matérias-primas, como as de serviços e bens de capital, serão afetadas pela nova realidade do mercado, em que o impacto ecológico deve ser considerado em cada etapa do negócio.

Muito embora pareça uma discussão inédita, esse é um assunto que remota aos início do século XXI, quando o debate acerca dos ativos intangíveis, o ESG, começaram a surgir no mercado financeiro.

À época, em 2004, o ex-secretário geral da ONU, Kofi Annan, convidou CEOs de diversas instituições financeiras para debater sobre como as agendas social, ambiental e de governança corporativa poderiam ser incorporadas ao setor. Mais ou menos no mesmo período, o Banco Mundial publicava um relatório inédito, o primeiro a citar o termo ESG, e que consolidava as propostas discutidas na reunião das Nações Unidas.

De lá pra cá, muitas empresas passaram a considerar o valor dos ativos intangíveis em suas metas e estratégias. Em consonância a isso, o próprio público investidor passou a atribuir valor às empresas aderentes à agenda ESG.

Entretanto, especialistas alertam que o papel do setor financeiro na renovação climática não se restringe à preferência por companhias mais “verdes” na hora dos investimentos.

Mais do que isso, defendem que é um dever do segmento se aproximar de entidades públicas e privadas, a fim de dar mais tração às iniciativas de combate à crise climática, uma vez que o risco financeiro está intimamente ligado ao risco ambiental.

Em termos mais práticos, os custos de uma catástrofe climática poderiam ser muito piores que os vividos durante a pandemia, ou qualquer outra crise que já tenhamos vivido. Assim, dentre outros motivos, também é por isso que o setor financeiro deveria se preocupar com o meio ambiente.

Investimentos e crédito de longo prazo já estão considerando o risco ambiental

Imagine que você é um grande banco e negocia o financiamento um grande empreendimento industrial. Neste caso, antes de autorizar o empréstimo, avalia-se o histórico do devedor, as projeções de receita do empreendimento, bem como uma série de outras variáveis que podem influir na capacidade daquele investimento efetivamente gerar retorno.

Nada mais lógico que também considerar o risco ambiental nessa conta, correto?

Dado este fato, tem sido comum que grandes operadores do sistema financeiro já considerem as variações climáticas ao calcular suas margens de risco e, por consequência, de juros. No entanto, uma vez que não há um parâmetro global para relacionar o risco ambiental ao risco financeiro – leia-se, um padrão para “precificar” fenômenos ambientais do futuro.

TCFD: a iniciativa do G20 para os riscos climático-financeiros

No entanto, essa consciência parece estar surgindo no contexto internacional. Um exemplo disso é que, em 2015, foi estabelecida a Força Tarefa sobre Divulgações Financeiras Relacionadas ao Clima – TCFD, órgão para o qual as empresas de diversos países, sobretudo os do G20, deverão reportar o cumprimento de metas e os status de iniciativas para a mitigação dos riscos climáticos, bem como os consequentes riscos financeiros; isto é, caso as legislações dos respectivos países a vinculem a isso.

Por sua vez, o viés financeiro da força-tarefa deixa clara a perspectiva a ser tratada no tema. Traduzindo em miúdos, é como se a entidade reconhecesse o impacto climático nas dinâmicas do sistema financeiro global.

Um exemplo é o Reino Unido: a partir de 2025, diversas entidades do país, entre empresas e outras organizações, precisarão reportar o cumprimento de metas recomendadas no TCFD. Neste caso, cumpre ressaltar que não se trata do TCFD tendo poder legal no país, mas sim numa legislação própria, inspirada pelas recomendações do órgão.

Para ilustrar, é possível citar a nossa LGPD, legislação acerca da proteção de dados pessoais que estabeleceu importantes adequações no mercado, e que fora inspirada em experiências internacionais com o tema da proteção de dados. No caso, o Regulamento Geral Sobre Proteção de Dados (GDPR, em inglês), aprovado na União Europeia.

Entre as recomendações do TCDF, é possível citar a descrição periódica dos riscos e oportunidades, dentre aqueles relacionados ao clima, que as organizações tenham identificado no futuro. Posteriormente, a entidade sugere que a empresa tome medidas de gerenciamento de risco, bem como métricas e objetivos.

Da mesma forma, em Cingapura, a autoridade monetária local desenvolveu guias de gerenciamento de riscos “ambientais”, delimitando métricas para bancos, seguradoras, corretoras de valores e mais, que precisarão se adequar aos padrões estabelecidos no TCFD.

E o que muda “na prática” com o TCFD?

Por enquanto, o TCFD é uma iniciativa voluntária, sem a força de uma convenção ou pacto internacional, que têm o poder de vincular os países signatários. Ainda assim, muitos o reconhecem como um “primeiro passo” na direção de um setor financeiro mais comprometido com as metas climáticas atuais.

Por fim, é importante notar que, tal qual esses mesmos especialistas reconhecem, o TCFD, por si só, não representa uma atuação do setor para mitigar seu impacto no clima. Na verdade, trata-se daquilo que viabilizará essa atuação – noutras palavras, uma “diretiva geral”, desenvolvida com base naquilo que há de mais amplo em análise macroeconômica, o G20, e que pode nortear o sistema financeiro sobre como administrar riscos climático-financeiros.

No dia a dia, mais uma vez a LGPD pode servir de parâmetro para compreender melhor o que esse avanço pode significar em alguns anos. Afinal, da mesma forma que essa legislação traçou os requisitos mínimos acerca da proteção de dados e da privacidade digital, impulsionando iniciativas do setor, o TCFD pode ser a origem de um conjunto de normas e, posteriormente, ações para mitigar os impactos do sistema financeiro na degradação climática.

Não por acaso, conforme a consulta realizada pela Bloomberg em maio de 2022, 85% dos executivos sêniores do sistema financeiro concordam que a dinâmica entre os riscos financeiros e climáticos é uma prioridade do setor para os próximos anos.

E para quem pensa que essa é uma realidade distante, vale pontuar: aqui mesmo, no Brasil, já cresce o número de entidades de defesa do clima que utilizam mecanismos legais, muitas vezes recorrendo à justiça, para responsabilizar e balizar as condutas de empresas e outras organizações.

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