Categories Inova+Posted on 21/08/202521/08/2025Tudo o que você precisa saber sobre a IA nacional da Suíça O que você vai descobrir a seguir: • A Suíça está criando uma IA nacional open-source e multilíngue, com lançamento previsto para o fim do verão europeu de 2025. • O projeto busca soberania digital e inclusão, oferecendo serviços públicos mais ágeis e suporte a mais de 1.500 idiomas. • Há também riscos, como uso indevido, vieses nos dados e desafios de governança, que exigem forte fiscalização. A Suíça está criando sua própria inteligência artificial nacional (IA), unindo ciência, inovação e soberania digital. Neste texto, você entende o que é esse projeto, por que foi criado e o que pode mudar com ele. Tudo começou em dezembro de 2023, quando o ETH Zurich (Instituto Federal Suíço de Tecnologia de Zurique, universidade onde Albert Einstein estudou e hoje referência global em engenharia e ciência da computação) e a EPFL (Escola Politécnica Federal de Lausanne, considerada uma das mais inovadoras da Europa, com forte atuação em startups e pesquisa aplicada) anunciaram a Swiss AI Initiative. O objetivo era ambicioso: criar modelos de linguagem abertos e acessíveis, treinados no supercomputador Alps, que combina potência de ponta com sustentabilidade, utilizando energia hidrelétrica e reaproveitando a água para aquecimento urbano. Instalado no Centro Nacional Suíço de Supercomputação (CSCS), o Alps é operado em parceria com a EPFL, que supervisiona sua infraestrutura científica. No ano seguinte, em outubro de 2024, nasceu o Instituto Nacional Suíço de IA (SNAI), responsável por coordenar pesquisa, educação e inovação em escala nacional. Esse passo consolidou a ideia de que a tecnologia deveria ser tratada como infraestrutura pública, e não apenas como um produto de mercado. Já em julho de 2025, ETH Zurich e EPFL anunciaram oficialmente o desenvolvimento de um modelo multilíngue e open-source, com previsão de lançamento no fim do verão europeu (agosto/setembro de 2025). O projeto chamou atenção pela ousadia: treinado em mais de 1.500 idiomas, com fluência em mais de 1.000, ampliando o acesso de comunidades diversas ao redor do mundo. O assunto foi destaque ainda no AI for Good 2025, em Genebra – evento da ONU que reuniu líderes globais para discutir como a inteligência artificial pode servir à sociedade. Famos mais sobre o encontro no episódio #147 do podcast com Gabriel Cardoso, que compartilhou aprendizados e bastidores do evento. Mas afinal, por que um país precisa de uma IA própria? A resposta está na utilidade prática: reduzir a dependência de grandes empresas estrangeiras, proteger dados sensíveis, oferecer serviços públicos mais eficientes e garantir que diferentes culturas e línguas sejam incluídas na transformação digital. Em vez de usar ferramentas comerciais criadas com foco em lucro, a Suíça aposta em um modelo aberto, auditável e adaptável às suas necessidades sociais e científicas. E como o cidadão vai “acessar” essa IA? Diferente de ferramentas como as de inteligência artificial generativa (ChatGPT da OpenAI, Gemini do Google, MidJourney, etc.) que chegam ao público em forma de aplicativo ou site, a IA suíça não será um produto final, mas sim uma base tecnológica aberta. Ela funcionará como um “motor” para que órgãos públicos, escolas, hospitais e até startups criem suas próprias aplicações. Na prática, o cidadão deve encontrá-la embutida em serviços que já utiliza (assistentes virtuais para emissão de documentos, tutores digitais multilíngues em escolas, sistemas de apoio a diagnósticos em hospitais, tradutores automáticos que preservem dialetos regionais, etc.). Em vez de baixar “um app da IA suíça”, as pessoas vão se beneficiar dela de forma quase invisível, integrada ao dia a dia. Benefícios de uma IA própria A criação da IA suíça já é um marco tecnológico. Mas o ponto central é entender: quais ganhos concretos ela pode oferecer e quais riscos precisam ser considerados? Ter uma inteligência artificial nacional pode transformar a relação entre Estado e cidadãos, tornando serviços mais ágeis, inclusivos e acessíveis. A Suíça aposta nesse modelo como infraestrutura pública, capaz de fortalecer a inovação e a autonomia tecnológica do país. Mais idiomas atendidos: A IA suíça deve oferecer suporte a mais de 1.500 línguas, incluindo dialetos e variações regionais. Isso é um avanço significativo, já que a maioria dos modelos atuais é dominada pelo inglês e, em menor medida, por outras línguas globais. Com essa diversidade, comunidades que normalmente ficam de fora do ambiente digital poderão interagir em sua própria língua, preservando identidades culturais e ampliando a inclusão digital. Serviços públicos simplificados: Com uma IA nacional, serviços básicos como emissão de documentos, acesso a benefícios sociais ou informações sobre saúde podem ser resolvidos de forma muito mais ágil. Em vez de enfrentar filas ou processos demorados, cidadãos teriam respostas imediatas de assistentes digitais multilíngues. Esse ganho de eficiência libera servidores públicos para lidar com questões mais complexas, tornando todo o sistema mais funcional. Controle e transparência: Diferente de modelos comerciais, que são fechados e controlados por grandes empresas, a IA suíça será open-source (já explicamos o que isso significa neste texto do InovaSocial). Isso permitirá que tanto o código quanto os dados de treino sejam auditados, oferecendo mais clareza sobre como as respostas são geradas. Além disso, o governo poderá adaptar o modelo às suas próprias regras de privacidade e ética, fortalecendo a soberania digital e reduzindo a dependência de fornecedores externos. Avanços em ciência e educação: Um modelo aberto também cria oportunidades para universidades, institutos de pesquisa e startups. Pesquisadores poderão experimentar livremente, criando soluções específicas para áreas como medicina personalizada, previsão climática ou ensino de línguas. Na educação, por exemplo, a IA pode apoiar desde tutores digitais multilíngues até sistemas que facilitem o acesso a conteúdos acadêmicos em várias línguas, democratizando ainda mais o conhecimento. Riscos e desafios Apesar do potencial, uma IA nacional também traz dilemas importantes. O fato de ser aberta aumenta a transparência, mas exige governança forte para evitar usos indevidos ou falhas que comprometam a confiança da sociedade. Uso mal-intencionado: A abertura do código e dos parâmetros do modelo é uma faca de dois gumes. Se, por um lado, isso amplia a inovação e a colaboração, por outro, facilita que versões manipuladas sejam usadas para criar deepfakes, disseminar desinformação em escala ou realizar fraudes digitais. Como não é possível “retirar” um modelo da internet depois de publicado, o risco de uso indevido se torna permanente e difícil de controlar. Vieses e injustiças: Nenhum modelo de IA é neutro: todos refletem, em maior ou menor grau, os dados com que foram treinados. Se o material de base contiver preconceitos culturais, sociais ou de gênero, a IA pode reproduzir e até amplificar essas distorções. Isso é especialmente grave em áreas como serviços públicos, em que decisões enviesadas podem afetar diretamente a vida de cidadãos em situação de vulnerabilidade. Privacidade em risco: Embora o projeto suíço seja pensado para ser transparente e ético, ainda existe o risco de que dados pessoais acabem sendo expostos. Modelos de linguagem podem memorizar informações sensíveis inadvertidamente ou ser alvo de ataques que exploram brechas de segurança. Garantir que os dados dos cidadãos não sejam utilizados de forma abusiva será um dos maiores desafios da governança desse sistema. Gestão complexa: Manter um modelo nacional de IA não é apenas uma questão técnica: envolve também fiscalização constante, definição de normas de uso e atualização contínua para evitar falhas. Sem uma estrutura sólida de governança, a tecnologia pode perder credibilidade ou até ser usada contra os próprios interesses da população. A experiência suíça mostra que não basta lançar a IA; é preciso construir uma base de confiança duradoura para que ela cumpra sua função pública. No fim das contas, a IA suíça simboliza um novo momento: a inteligência artificial não é mais apenas um produto privado, mas começa a ser tratada como infraestrutura pública e estratégica. O desafio agora é equilibrar os enormes benefícios com os riscos inevitáveis. E a forma como a Suíça lidar com isso pode inspirar (ou alertar) outros países ao redor do mundo. Compartilhe esse artigo: