Satoshi Island: Uma sociedade utópica no meio do Pacífico

Satoshi Island: Uma sociedade utópica no meio do Pacífico

Uma ilha com quase 3 milhões de m2 e localizada no paraíso tropical de Vanuatu, entre a Austrália e Fiji. Estas são as características do ambiente onde a Satoshi Island Holdings Limited pretende tornar o lar de profissionais e entusiastas de criptomoedas, com o objetivo de ser considerada a capital mundial das criptomoedas. Aprovada pelo Primeiro Ministro e Ministro das Finanças de Vanuatu e com todas as aprovações em vigor, a Ilha Satoshi está sendo construída para ser a primeira “economia e democracia baseada em blockchain” e o plano é que seja aberta ao público em 2023. No papel, a proposta é incrível e parece a evolução ideal da nossa sociedade moderna, mas…

A quantidade de “mas” é imensa. Não é a primeira vez que vemos alguém querendo criar uma nova comunidade utópica e ultramoderna. Nem mesmo é a primeira baseada em blockchain. Por exemplo, em 2020, foi anunciado a AKON City, um projeto do cantor senegalês Akon – veja mais aqui. Mas ela não foi a primeira. Em 2019, o príncipe saudita Mohammed bin Salman anunciou o projeto da Neom, uma cidade na fronteira entre o Egito e a Jordânia – veja mais aqui.

A cidade saudita 2.0 parecia um oásis no deserto e sua proposta futurista caiu por terra quando o futuro deu espaço para velhas ações de governos ditatoriais. Além do investimento financeiro, o custo de uma cidade futurista, para a família real saudita, também incluiu vidas. Segundo a BBC, “em 13 de abril [de 2020], um homem chamado Abdul Rahim al-Huwaiti postou vídeos alertando o mundo que as forças de segurança sauditas estavam tentando despejar ele e outros membros da tribo Huwaitat de sua terra natal, no extremo noroeste do país, para limpar a região [onde será construída a Neom].” No vídeo (disponível com legenda em inglês), divulgado por Alya Abutayah Alhwaiti, uma ativista saudita de direitos humanos da mesma tribo, mostra Abdul afirmando esperar que as autoridades plantassem armas em sua casa para incriminá-lo. Mais tarde ele foi morto pelas forças de segurança sauditas, que alegaram terem sido alvejadas por Abdul, tendo que abrir fogo contra o homem.

Em menor escala e sem a violência saudita, vimos também o projeto Quayside, do Google, ir por água abaixo. A proposta de bairro high-tech se mostrou desafiador até mesmo para a tecnologia de ponta da Alphabet/Google e a empresa se retirou do projeto. Não ficou tão claro quais foram os desafios em tornar um bairro de Toronto em sociedade avançada, mas arrisco em dizer que o Google contabilizou muitos fatores tecnológicos, e poucos fatores humanos.

Leia também: Google I/O: As novas tecnologias precisam ser pensadas para todos

O grupo da Satoshi Island pretende criar uma comunidade com casas modulares, democracia em blockchain e baseadas em conceitos sustentáveis, mas sou cético em acreditar que — desta vez — um projeto como este tenha sucesso. O conceito de DAO, por exemplo, ainda é algo muito novo e ter uma empresa autônoma e descentralizada já é um grande desafio (uma grande tendência e oportunidade, mas com muitos desafios). Imagine levar isso para uma sociedade, por menor que ela seja. A ideia que é possível tornar isto viável é quase tão utópica quanto a própria cidade do projeto.

Além disso, o discurso de criptomoedas como base de uma sociedade soa mais como um discurso de marketing, do que algo que realmente vá funcionar como sociedade. Na verdade, a Satoshi Island não é uma sociedade, mas um grande condomínio fechado. Veja bem, não acho que criptomoedas ou blockchain são os grandes problemas da proposta do projeto. Ambos são tecnologias pouco aproveitadas e que ainda veremos muitas coisas boas surgirem, mas a minha sensação desta iniciativa é que ela fica muito semelhante aos projetos citados neste texto. Se a proposta saudita tem os bilhões da família real e a cidade senegalesa tem um cantor famoso, aqui o discurso para disseminar a ideia se baseia nas novas tecnologias (as criptos e o blockchain).

Outra crítica que trago é a necessidade que esses projetos parecem ter em abdicar o impacto social. É mais fácil começar algo do zero, onde você controla quem estará dentro; do que utilizar as soluções para “consertar” as boas e velhas sociedades.

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