A Terra em movimento (forçado): Quem são os refugiados climáticos?

A Terra em movimento (forçado): Quem são os refugiados climáticos?
O que você vai descobrir a seguir:
  • • O que são refugiados climáticos e por que o termo ainda não é reconhecido oficialmente;
  • • Como eventos extremos, como o soterramento da vila suíça de Blatten, exemplificam esse fenômeno;
  • • Por que milhões de pessoas poderão ser forçadas a migrar por motivos climáticos nas próximas décadas.

Se há um termo que deveríamos começar a nos acostumar desde já, é este: refugiados climáticos. À primeira vista, pode parecer um conceito futurista, desses que habitam os relatórios da ONU e os fóruns internacionais. Mas a verdade é que ele já descreve a realidade de milhões. Um número que só tende a crescer, à medida que os efeitos da crise climática se intensificam pelo planeta.

Refugiados climáticos são, em essência, pessoas que deixam suas casas por conta de eventos ambientais extremos ou mudanças graduais no ecossistema local. São vítimas de enchentes, secas severas, desertificação, furacões, deslizamentos ou da elevação do nível do mar. Em comum, todas essas situações tornam a vida em determinadas regiões simplesmente inviável.

Ainda assim, essa categoria de deslocamento humano não é reconhecida pelo direito internacional. A Convenção de Genebra de 1951, que define os direitos dos refugiados, não contempla aqueles que fogem por causas ambientais. Segundo a letra da lei, refugiado é quem cruza fronteiras em busca de proteção contra perseguições políticas, religiosas ou étnicas. E isso deixa um número crescente de pessoas numa espécie de limbo legal: deslocadas, mas não oficialmente reconhecidas.

Blatten: uma tragédia que fala sobre todos nós


Algumas casas ainda são visíveis após o grande deslizamento cobrir quase toda a vila de Blatten, na Suíça, em 29 de maio de 2025. Foto: Stefan Wermuth/Reuters.

Na última semana, um episódio trágico nos Alpes Suíços chamou atenção do mundo: A vila de Blatten, com pouco mais de 300 habitantes e registros que remontam ao século XV, foi praticamente soterrada. Um deslizamento gigantesco de gelo, lama e rochas, causado pelo colapso do glaciar Birch, destruiu 90% da vila. Felizmente, os moradores já haviam sido evacuados semanas antes, após sinais de instabilidade no terreno. Ainda assim, um homem continua desaparecido.

A cena é desoladora. O que antes era uma comunidade entre montanhas, agora é um campo de destroços coberto por um manto cinzento.

Especialistas suíços e observadores internacionais rapidamente apontaram as causas: o derretimento acelerado do permafrost, camada de solo permanentemente congelado que mantém unidas as rochas da montanha. Com o aquecimento global, essacamada está se desfazendo; e, junto com ela, a estabilidade de encostas inteiras.

O caso de Blatten nos mostra o que significa viver em tempos de colapso ambiental. A vila não foi atingida por um terremoto ou um conflito armado. Foi o clima, em sua transformação silenciosa e implacável, que impôs o êxodo.

Por que essa conversa é urgente

A história de Blatten não é isolada. Segundo estimativas da Organização Internacional para as Migrações (OIM), mais de 30 milhões de pessoas foram deslocadas por desastres naturais em 2022.

É importante destacar que nem todo desastre natural decorre diretamente das mudanças climáticas – terremotos, por exemplo, não têm relação com o aquecimento global –; mas eventos como enchentes, secas extremas e deslizmentos vêm sendo intensificados por um clima cada vez mais instável. E é justamente essa intensificação que aumenta os deslocamentos. Projeções do Banco Mundial indicam que, até 2050, mais de 200 milhões de pessoas em todo o mundo podem ser forçadas a migrar por causa das mudanças climáticas.

É claro que nem todos cruzarão fronteiras internacionais. Muitos se deslocarão dentro dos próprios países. Mas o impacto social, econômico e psicológico desses deslocamentos é profundo. Falamos de pessoas que perdem suas casas, empregos, redes de apoio – e que, muitas vezes, não encontram acolhimento ou estrutura adequada onde chegam.

Para agravar a situação, a maioria dos refugiados climáticos vive em regiões com pouca infraestrutura, como áreas rurais em países em desenvolvimento. São comunidades vulneráveis que, quando atingidas, têm menos recursos para reagir, reconstruir ou se adaptar.

A urgência de reconhecimento e ação

Diante dessa nova realidade, não podemos mais tratar o deslocamento climático como uma exceção. Precisamos de políticas públicas que reconheçam essas populações e lhes ofereçam apoio jurídico, social e humanitário. O primeiro passo é ajustar o conceito de “refugiado” às circunstâncias do século XXI. Afinal, se o clima é hoje um fator determinante para o abandono forçado do lar, é justo que quem sofre por ele tenha proteção adequada.

Mas é também necessário agir antes que o desastre ocorra. Investir em infraestrutura resiliente, em planos de evacuação eficientes, em urbanização segura e em sistemas de alerta precoce. Adaptar comunidades ao novo clima é tão importante quanto acolher quem foi forçado a partir.

Um problema que exige atenção (e dados!)

Falar sobre refugiados climáticos é também reconhecer que estamos diante de uma crise ainda subestimada, mas amplamente documentada. O relatório do IPCC de 2022 é uma leitura essencial para quem deseja compreender a relação direta entre mudanças climáticas e migrações forçadas. O documento apresenta projeções alarmantes e reforça a necessidade de medidas urgentes para proteger as populações mais vulneráveis.

Como complemento, vale ouvir o episódio #121 do Podcast do InovaSocial. Embora o foco não sejam os deslocados por questões ambientais, a conversa com Maria Beatriz Nogueira, do ACNUR, ajuda a entender os desafios práticos enfrentados por refugiados no Brasil – do acolhimento à integração – e amplia a nossa percepção sobre o que significa ser forçado a recomeçar a vida longe de casa.


Créditos: Imagem Destaque – studiovin/Shutterstock

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