Afinal, banir os plásticos de uso único é a solução para a produção de lixo?

Afinal, banir os plásticos de uso único é a solução para a produção de lixo?

Considerado por muitos o inimigo nº 1 do combate à produção de lixo, o plástico, ou melhor, os plásticos de uso único – canudos, sacolas, embalagens e outros itens – estão desaparecendo: ao menos nos grandes centros, é cada vez mais difícil encontrar esses itens.

Em agosto de 2022, uma lei aprovada no Distrito Federal proibiu o oferecimento de sacolas plásticas em supermercados e estabelecimentos do tipo. Agora, todos os consumidores precisam levar as próprias Ecobags – sacolas reutilizáveis, por vezes de pano, por vezes de plástico mesmo.

Ainda que distante dos pequenos municípios, a realidade vivida na capital do Brasil é é apenas a demonstração mais recente de como as grandes cidades têm declarado guerra aos plásticos de uso único.

Em todo o Brasil, 24 das 26 capitais estaduais, além do o Distrito Federal, já proíbem as sacolas desse tipo – noutros casos, também estão proibidos os canudos e outros utensílios descartáveis, desde que feitos com o material.

Mas, afinal, será mesmo que os plásticos de uso único – quase sempre empregados nas embalagens– são mesmo a pior alternativa em todos os cenários?

Bem, segundo a jornalista Axelle Parriaux, que assina o artigo Do single-use plastic bans work? (algo como ”Banir os plásticos de uso único funciona?”) na coluna Future, da BBC, a questão é bem mais complexa, e o motivo são os detalhes.

Veja, o ponto aqui não é dizer que os plásticos de uso único não fazem mal para o planeta – eles definitivamente fazem. Contudo, o ponto do artigo de Parriaux é que lutar contra o plástico é uma batalha perdida.

Isto porque, em resumo, a via mais eficiente seria torná-lo um aliado, utilizando-o apenas quando estritamente necessário ou, no mínimo, quando pudesse ser reutilizado.

Mas onde isso vai contra o banimento dos plásticos de uso único? A autora explica:

Nem sempre o plástico é a pior opção de embalagem, diz especialista

A engenharia envolvida na produção e distribuição de bens de consumo é um universo fascinante, ainda que passe despercebida pela maioria de nós, consumidores. Certa vez, vi alguém questionando numa rede social o porquê dos tubos de creme dental terem uma embalagem de papel além do próprio tubo – afinal, não seria mais barato, bem como sustentável, entregar os tubos “soltos”?

Foi aí que, nesta mesma publicação, um engenheiro de produção explicou por que o senso comum estava errado. Para além de mais ecológico, entregar os tubos com embalagens de papel também é mais barato – e a razão disso não poderia ser mais simples: evita o desperdício.

Em mais detalhes, o engenheiro explicou que, caso fossem armazenados e transportados sem as caixas, os tubos seriam muito mais propensos a rompimentos e vazamentos, o que causaria a perda do produto.

Eu sei que, à primeira vista, um tubo de creme dental pode parecer bastante resistente. Contudo, vale lembrar que, da fábrica até o ponto de vendas mais próximo de você, centenas de milhares desses tubos são empilhados em caminhões e armazéns – e os que estão abaixo só não explodem por causa das benditas caixas, que salvam milhões com a prevenção de perdas.

Mas eu abri toda essa explicação por um motivo.

Estávamos falando dos plásticos de uso único, certo? Pois bem, da mesma forma que as caixas de papelão evitam a perda do produto e, a partir daí, diminuam a geração de resíduos como um todo, há quem defenda que o plástico também tem esse papel – mas só em determinados casos, é claro.

Segundo Romane Osadnick, gerente de contas em uma ONG francesa dedicada “a reduzir os impactos das embalagens domésticas”, e que foi entrevistado pela autora do artigo da BBC, há circunstâncias em que o plástico é a melhor opção – especialmente quando falamos em comida.

“Especialmente na indústria alimentícia. Plásticos filme e sacolas ajudam a selar alimentos frágeis, preservam a qualidade desses itens e são leves.”

Em um dado momento da entrevista, Osadnick é confrontado com o fato de que, recentemente, a França baniu o uso de embalagens plásticas em alimentos como frutas e legumes. No máximo, ao andar em um supermercado francês, o que se tem são frutas embaladas em redes feitas de isopor (como aquelas usadas para proteger garrafas).

Na análise do especialista, entretanto, essas alternativas geram mais problemas do que soluções, de fato.

Conforme explica Osadnick, o problema de banir o plástico das embalagens começa já no início da cadeia produtiva: durante o armazenamento e transporte dos alimentos até os supermercados, lembrando que esses alimentos são frescos e sujeitos ao perecimento, as embalagens encontradas para substituir o plástico quase sempre são inferiores ao material em aspecto – o que também impacta seu impacto ambiental, em comparação com o plástico.

No caso do papelão, uma das alternativas mais comuns ao plástico, o especialista conta à autora que o material não é suficientemente resistente para proteger os alimentos, podendo causar danos, sobretudo no transporte, levando ao desperdício desses mesmos itens.

Além disso, o papelão é mais pesado que o plástico (quem já fez mudanças em casa sabe disso). Ao final, isso faria com que mais energia precisasse ser gasta para transportar o alimento, uma vez que as embalagens adicionam mais ao peso à carga total.

Neste exemplo, fica bastante clara a noção sistêmica que Osadnick considera ao avaliar as embalagens. Ao se considerar a cadeia produtiva inteira, pode ser que o plástico não seja a pior opção – assim, precisaríamos “apenas” lidar com esses resíduos de uma maneira melhor.

O plástico não é tão reciclável quanto a maioria dos metais, tampouco como o vidro

Você sabia que o Brasil é o país que mais recicla alumínio no mundo? E o Vidro? Trata-se um material infinitamente reciclável – sim, é possível derreter e refazer aquela garrafa quantas vezes você quiser.

Em 2021, o Brasil reciclou 98,7% das latas de alumínio produzidas, alcançando o primeiro lugar do ranking mundial de reciclagem desse item.

O motivo, por sua vez, é o valor de mercado do material, que movimenta um ciclo virtuoso de catadores, cooperativas de reciclagens e a indústria. Já o vidro, por sua vez, tem propriedades térmicas que o permite ser reciclado infinitas vezes.

No entanto, se há tantos materiais com características interessantes, por que o plástico dominou o mundo? A resposta não poderia ser mais simples: ele é barato, leve e muitíssimo versátil, inclusive no tocante ao grau de flexibilidade, algo importante no mundo das embalagens.

Nesse sentido, o artigo aponta que o material é vítima do próprio sucesso. A verdade é que criamos algo tão “bom” para nossas necessidades modernas que qualquer outra coisa, a exemplo do vidro ou do metal, não será tão boa em tantos contextos quanto o plástico.

Mas calma, não devemos voltar com os canudos e sacolas plásticas. O caminho não é esse.

Antes de sair defendendo os plásticos de uso único como uma alternativa sustentável, é válido entender que o ponto abordado no artigo não é esse, conforme expliquei anteriormente.

Na realidade, o que os dados reunidos pela autora nos contam, bem como a própria conclusão manifestada por ela, nos faz compreender que o real problema não é o plástico em si, mas o uso que fazemos dele.

Para exemplificar essa parte, o texto traz a fala de Nathan Dufour, da ONG Zero Waste Europe (Europa Lixo Zero, em português). Segundo o especialista, nos países emergentes, é mais barato produzir bebidas do que no mundo industrializado.

Como resultado, o custo da embalagem das bebidas representa uma porcentagem maior na produção, o que explica o fato de muitos países do hemisfério sul utilizarem garrafas plásticas “retornáveis” – aquelas cujo “casco” você leva vazio e troca por uma cheia, pagando apenas pelo produto em si.

Por outro lado, no hemisfério norte, a embalagem descartável não é tão cara de se produzir. Assim, faz mais sentido, do ponto de vista mercadológico, produzir garrafas descartáveis – uma vez que não será problema seu ter de coletá-las e reutilizá-las depois, algo que também tem seus custos.

Problema dos plásticos de uso único está no nome: “de uso único”

Ao final, conforme a autora compreende e nos leva a compreender, o grande problema das embalagens plásticas, bem como os demais plásticos de uso único, é o fato de serem descartados com muita facilidade – na verdade, serem feitos para isso.

Neste caso, a aposta mais sensata poderia ser o desenvolvimento de mecanismos que permitam reutilizar o plástico, em vez de simplesmente descartá-los ou reciclá-los, visto que esse processo também adiciona custos.

Na prática, poderíamos empregar melhor o plástico, utilizando-o em mais soluções reutilizáveis, antes de serem recicláveis, e restringindo o seu uso em itens descartáveis para os casos estritamente necessários.

Afinal, não faz nenhum sentido usar um material que pode levar meio milênio para se decompor em um produto cujo tempo de consumo é de, se não alguns minutos, somente algumas horas ou dias – como é o caso das bebidas embaladas em garrafas PET, imediatamente descartadas após o uso.

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