Gestão de risco de desastres: Precisamos parar de usar o termo “desastre natural”

Gestão de risco de desastres: Precisamos parar de usar o termo “desastre natural”

O termo “desastre natural” é usado nas notícias, nas redes sociais e nas conversas cotidianas para descrever eventos extremos como inundações, furacões, terremotos, entre outros. Mas o termo é problemático — e, até mesmo, prejudicial para a gestão de risco de desastres.

Desastres não são ocorrências naturais. Se a mesma chuva atinge duas regiões diferentes do mundo, os efeitos são totalmente diferentes. A tempestade é um “risco” — definido como uma fonte potencial de dano — mas depende de muitos fatores antes que o ela se torne um “desastre”. Um risco não pode se tornar um desastre até que prejudique uma comunidade.

Quando os danos e perdas causados por um desastre são declarados “naturais” ou “ato de Deus”, comunidades e governos são absolvidos de sua responsabilidade. A palavra natural tira o contexto social, político, ambiental e econômico dos desastres e não reconhece as injustiças sociais que existem.

O termo “desastre natural” indica que tais calamidades são inevitáveis, embora saibamos da influência da humanidade no sistema. Uma visão mais sutil de eventos extremos é necessária. Na verdade, são as escolhas que fazemos que causam um desastre. O terremoto pode ser aleatório, mas a vulnerabilidade ao dano — o risco a que as pessoas se expõem — determina se ele se desenvolve em um desastre.

Desde a década de 70, Tom Jobim já cantava: “são as águas de março fechando o verão…”. A chuva que atingiu o litoral norte de São Paulo pode ter sido a mais intensa da história, mas não é um evento isolado. Historicamente o primeiro trimestre do ano é chuvoso. E, assim como a chuva, as tragédias se acumulam e parecem só piorar com o passar dos anos. Em 2022 foi Petrópolis, em 2021 foi na Bahia, em 2019 foi no Rio de Janeiro…

Riscos e eventos extremos são inevitáveis, mas o impacto na sociedade não é. A maneira como falamos sobre desastres afeta a maneira como percebemos os riscos que eles representam. Precisamos direcionar a discussão para as desigualdades e a importância da vulnerabilidade em situações de desastre: aqueles que são mais marginalizados e vulneráveis são geralmente as pessoas ou sociedades que mais sofrem fatalidades e perdas econômicas em um desastre. Portanto, um dos aspectos mais importantes da redução do risco de desastres é a redução da vulnerabilidade.

Isso inclui a adoção de medidas de preparação e prevenção, como a construção de infraestrutura resistente a desastres e a melhoria dos sistemas de alerta precoce. Também significa que é necessário investir em medidas de redução de riscos e mitigação, como o planejamento de assentamentos permanentemente viáveis e a alocação adequada de recursos para a gestão de risco de desastres.

Reconhecer que são os sistemas de tomada de decisão que criam essa vulnerabilidade e, portanto, tornam mais provável que eventos extremos se tornem desastres, leva a uma alocação mais apropriada de gastos e recursos para gestão de risco de desastres, mitigação e construção de resiliência, além de orientar a gestão pública na tomada de decisões.

A responsabilidade deve ser adequadamente alocada. Usar o termo natural para descrever desastres exonera algumas pessoas poderosas, governos e organizações. Reconhecer que, alguns riscos óbvios, são negligenciados e que a vulnerabilidade aumentada de outros é aceita por causa de benefícios financeiros. Por exemplo, construções aprovadas em áreas de inundação e/ou risco, desrespeito às normas de construção leva à possibilidade de questionar decisões políticas.

Além disso, é importante lembrar que a gestão de risco de desastres é um processo contínuo que deve ser abordado de forma holística. Isso inclui aspectos de reconstrução e recuperação após um desastre, bem como medidas de construção de resiliência para garantir que as comunidades estejam preparadas para futuros eventos extremos. Por exemplo, ainda que não represente mortes, a interdição da Mogi-Bertioga deve durar, no mínimo, dois meses e mais de R$ 9,4 milhões. No entanto, a obra deve durar 6 meses e gerar inúmeros impactos negativos nas comunidades próximas.

Para concluir, a mudança para uma abordagem mais holística e responsável em relação à gestão de risco de desastres é fundamental para garantir a segurança e a proteção das comunidades em todo o mundo. Vale lembrar que ações sustentáveis desempenham um papel fundamental na redução dos impactos de eventos extremos. Ao adotarmos uma abordagem mais responsável em relação à gestão de recursos naturais e ao desenvolvimento urbano, podemos minimizar os impactos negativos. Ao reconhecer que os desastres são o resultado de decisões humanas e sistemas de tomada de decisão, podemos trabalhar juntos para criar um futuro mais seguro e sustentável para todos.

Imagem Destaque: Nelson Antoine/Shutterstock

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