Escolas de São Francisco têm uma resposta para o problema de diversidade na tecnologia

Escolas de São Francisco têm uma resposta para o problema de diversidade na tecnologia

É meio-dia na escola Buena Vista Horace Mann, no distrito Mission, de São Francisco (Califórnia, EUA).

Laura Ramirez, especialista em integração de tecnologia em currículo, está à espera de 14 meninas entrarem na sala de aula. Ela colocou antigos processadores da Dell ao lado de kits de ferramentas que contêm chaves de fenda, chaves allen e alicates. O trabalho das meninas hoje é abrir cuidadosamente os computadores, explorar e rotular os componentes e, em seguida, montar o hardware novamente.

As meninas, que estão na sexta, sétima e oitava séries, chegam e guardam suas mochilas em nichos. Elas estão na Tech Chicxs, um clube que Laura fundou para incentivar as garotas que cursam o segundo ciclo do ensino fundamental a explorar tecnologia e programação. Aproximadamente 80% dos estudantes da escola são hispânicos ou latinos, e Laura está particularmente empenhada em envolver garotas que raramente são representadas no Vale do Silício e na indústria de tecnologia mais ampla.

“Meu coração é dedicado para que os estudantes adquiram as habilidades técnicas, corram riscos, aprendam ciência da computação ainda muito jovens”, diz ela. “Achei que seria importante criar um grupo onde nossas meninas latinas e todas as meninas, pudessem ser encorajadas a tentar novas coisas na tecnologia. Essa é minha missão.”

Esse clube é a personificação da ideia “você não pode ser o que não consegue ver”, uma frase popularizada pela COO do Facebook, Sheryl Sandberg, para inspirar garotas que achavam que os sonhos e ambições do Vale do Silício não era algo que elas pudessem correr atrás.

Mas o que acontece na Tech Chicxs é muito mais complexo do que dar a essas garotas uma frase motivadora e um tapinha nas costas quando elas codificam algo. No lugar disso, é um trabalho exaustivo e ao mesmo tempo recompensador que consiste em ajudar os alunos a desenvolver não apenas habilidades técnicas, mas também traços de caráter como liderança e resiliência – e isso está acontecendo em todo o Distrito Escolar Unificado de São Francisco.

O SFUSD é o primeiro grande distrito dos EUA a oferecer aulas de informática para todos os alunos até o oitavo ano, algo que deve acontecer até 2020. Quase metade dos 54.000 alunos do distrito vão participar de cursos de ciência da computação neste ano letivo. Se os esforços do distrito forem bem-sucedidos no envolvimento de meninas e estudantes de contextos sub-representados, proporcionando um caminho para que esses alunos optem por cursos cursos focados em tecnologia e programação na faculdade ou na vida profissional, isso poderia funcionar como um antídoto para o problema de diversidade na tecnologia.

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“Em termos de ambição e número de alunos, não há outro distrito no país que esteja tentando fazer algo tão ambicioso na ciência da computação”, diz Pat Yongpradit, diretor acadêmico da Code.org, uma organização sem fins lucrativos que promove o ensino de informática.

“Se você extrapolar o que São Francisco está fazendo e seguir em frente, verá mais pessoas de origens pouco representadas se formando em cursos como ciência da computação e, no futuro, você verá mais diversidade no mercado de trabalho.”

Enquanto as mulheres são metade de todos os trabalhadores de áreas focadas em tecnologia e programação, elas estão concentradas em empregos relacionados à saúde e são pouquíssimo representadas em áreas como engenharia ciência da computação – bem como trabalhadores negros.

Laura Ramirez não precisa ver as estatísticas para saber que as meninas negras e latinas, em particular, não têm as mesmas oportunidades de explorar tecnologia e programação como alguns de seus colegas. Durante anos, ela notou que nenhuma menina participava do clube de robótica na Buena Vista Horace Mann.

“Mesmo que haja bolsas de estudo para que elas participem dessas aulas de robótica, as meninas não sentiam necessidade ou desejo de participar dessas aulas”, diz ela. Por isso, ela levou a ideia da Tech Chicxs para o distrito e a administração da escola, que a apoiaram.

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No início, Laura nomeou o clube como Tech Chicas. Então, ela substituiu o “a” por um “x” por ser inclusivo a alunos trans. Os retratos das meninas, orgulhosas e sorridentes, revestem a parede. Embaixo de cada imagem há uma nota que detalha suas habilidades. “Eu sei atualizar o Firefox”, diz um deles. “Eu aceito minhas falhas / troco o toner / posso criar uma conta de computador”, diz outro.

“Todos os olhos no quadro, por favor”, diz Laura, antes de iniciar a atividade de aquecimento do dia: um exercício de codificação binária em que os alunos convertem números em código “como o computador”. Os alunos respondem suas perguntas em uníssono sobre bytes e bits. Laura diz às garotas para pularem para problemas mais desafiadores, identificados por pimentas, se resolverem os primeiros problemas rapidamente. “Se isso é muito fácil para você”, diz ela, “então você poderia tentar os mais picantes.”

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Tech Chicxs quer mudar a narrativa onde apenas homens brancos pertencem à tecnologia. Há artes na parede como uma homenagem a sete mulheres incríveis em engenharia da computação, incluindo a matemática da NASA Katherine Johnson, a programadora Ada Lovelace e a atriz e inventora Hedy Lamarr. Outra galeria enfatiza a importância de cometer erros: “Falhar é outra palavra para crescer”.

Laura, que ensina ciência da computação e habilidades tecnológicas em diferentes níveis da escola, ela não quer apenas que as Tech Chicxs sejam experientes em tecnologia; ela quer que elas se sintam e ajam como solucionadoras de problemas e líderes.

O papel do dinheiro

Se isso soa como uma vitória fácil demais baseada na burocracia que pode atormentar as escolas, você deve saber que um fator-chave – o dinheiro – separa o SFUSD de muitos distritos de tamanho e recursos semelhantes. A Salesforce, com sede em São Francisco, começou a conceder milhões de dólares para o SFUSD para apoiar seu programa focado tecnologia e programação, em 2013. No total, o distrito recebeu mais de US$ 35 milhões nos últimos seis anos, incluindo US$ 8,5 milhões, em setembro de 2018.

Primeiro vieram os dispositivos e equipamentos: Chromebooks, iPads e carrinhos de computadores. Após o investimento inicial para colocar a tecnologia nas salas de aula, ficou claro que os dispositivos novinhos em folha não eram a resposta. A menos que um professor ou aluno saiba como usar efetivamente um Chromebook ou iPad em uma sala de aula, essas ferramentas podem se tornar um peso de papel. O acesso aos dispositivos é, na verdade, uma pequena parte do engajamento de alunos que têm exposição limitada a tecnologia e programação.

“Nós podemos ter todo o equipamento e ainda nada muda para as meninas e crianças latinas”, diz Laura Ramirez.

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Então, Ebony Frelix Beckwith, vice-presidente executiva e chefe de filantropia do empreendimento social da Salesforce, Salesforce.org, começou a reunir duas vezes por mês representantes do distrito e do gabinete do prefeito para saber como os milhões de dólares canalizados para a escola poderiam ser gastos da melhor forma. Segundo Ebony, eles um mantra que ela credita à visão do CEO da Salesforce, Marc Benioff: “Deixe-os tentar e falhar, deixe-os tentar e ter sucesso.”

“Os diretores são os CEOs da escola. Nossos professores são os executivos ”, diz Ebony, que nasceu e foi criada em São Francisco. “Eles são confiáveis para fazer o que precisam fazer nas escolas. Não se trata de a Salesforce ser uma empresa que entra e diz que você precisa fazer isso, isso e isso. Nós confiamos em você.”

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Ebony Frelix Beckwith trabalha com estudantes em projetos que eles inventaram no clube Age of Makers na Visitacion Valley Middle School, em São Francisco.

Ebony diz que a equipe administrativa do subsídio ficou um pouco curiosa quando uma escola usou seu “fundo de inovação principal” de US$ 100 mil para contratar um bibliotecário. Isso não pareceu particularmente inovador. Mas no ano seguinte a escola colocou computadores, junto a um guarda de segurança, naquela mesma biblioteca. No ano seguinte, lançou um clube de produtores no espaço. “Eles estavam lançando as bases”, diz ela.

O desenvolvimento profissional contínuo de Laura é pago pela concessão da Salesforce. Esse treinamento, que inclui cursos para atualizar o conhecimento e discussões sobre como ensinar efetivamente a ciência da computação a todos os alunos, também está disponível para os 3.582 professores do distrito que já se especializam em tecnologia ou que desejam desenvolver esse conhecimento.

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Reimaginando a Ciência da Computação

Bryan Twarek, supervisor de ciência da computação do Distrito Escolar Unificado de São Francisco, diz que o SFUSD quer evitar replicar o que está acontecendo nos cursos de ciência, tecnologia e programação em nível universitário.

“Queremos reimaginar como a ciência da computação é ensinada e projetá-la para nossa população-alvo”, diz ele. “Projetamos as aulas de informática para que elas sejam criativas, colaborativas e relevantes e para que as próprias vozes dos alunos brilhem e a apresentem como um meio de expressão pessoal. Assim, é natural que os alunos se envolvam e queiram usar esse novo conjunto de habilidades e meios para contar suas histórias e criar coisas de que gostam.”

Em outras palavras, o SFUSD está correndo o mais longe possível da que a ideia de que a ciência da computação é algo feio apenas por codificadores e programadores vestindo capuz. Para que isso funcione, no entanto, os professores também precisam aprender a reconhecer e corrigir seus próprios preconceitos sobre quem é bom em tecnologia e programação. Os esforços do distrito em expor positivamente todos os alunos à ciência da computação terão um impacto menor se os professores insistirem em que apenas os alunos brancos do sexo masculino resolvam problemas ou usem a tecnologia na frente da turma.

Uma questão de equidade

Enquanto os 20 alunos da sala de aula navegam em seus projetos, as garotas se conectam de forma alegre. Um par de colegas de classe riem enquanto fazem gifs animados, que serão inseridos em suas colagens. Alba Akrabawi, professora da turma, caminha pela sala ajudando os alunos com perguntas básicas, os ajudando a solucionar problemas de codificação e software.

“Eu vejo isso como uma questão de equidade”, diz Alba. “Eu preciso fazer o que puder para tornar possível aos meus alunos que nasceram e cresceram em São Francisco poderem ficar na cidade… Especialmente as meninas.”

Os esforços do distrito parecem estar fazendo efeito. O percentual de meninas que participam de cursos de ciência da computação subiu de 25% para 45% nos últimos anos. Ao mesmo tempo, a porcentagem de estudantes de grupos raciais pouco representados (afro-americanos, latino-americanos e nativos americanos) disparou de menos de 10% para quase 40%.

Quando o distrito entrevistou estudantes no ano passado para saber se eles se sentiram capazes de obter sucesso em ciência da computação, mesmo em meio a desafios, o distrito não viu diferenças baseadas em raça ou gênero. No entanto, notou que, em média, 10% menos estudantes do sexo feminino expressaram uma “alta afinidade” com o currículo de ciência da computação, uma lacuna que Bryan Twarek diz que o distrito quer preencher.

De volta à sala de aula de Laura Ramirez, as Tech Chicxs estão trabalhando para remontar suas CPUs antes do sinal tocar. Algumas das garotas não têm a chave de fenda do tamanho certo, enquanto outras ainda estão classificando suas partes. Laura gentilmente as lembra de improvisar e trabalhar juntas enquanto resolvem o problema.

“Meninas, vamos nos apoiar”, diz Ramirez. “Se você vir alguém que ainda não terminou, ajude-a.”

Essa publicação é uma adaptação para o português do texto “Raising the next STEM generation“, do Mashable.

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