Eco-ansiedade: como enfrentar o medo das mudanças climáticas

Eco-ansiedade: como enfrentar o medo das mudanças climáticas

O que você sente quando pensa no futuro do planeta? Segundo as pesquisas mais recentes, há grandes chances de que a sua resposta envolva algum grau de preocupação sobre as mudanças climáticas.

Mais surpreendente ainda, contudo, é saber que, não muito abaixo disso, as chances de você ter absoluto pavor desse assunto também são consideráveis: trata-se da eco-ansiedade – um distúrbio cada vez mais investigado entre as ciências da saúde.

Só nos EUA, uma pesquisa chegou a concluir que mais de dois terços da população (67%) sente algum grau de ansiedade em relação ao clima. Para além disso, porém, mais da metade (55%) também se preocupa com os potenciais efeitos da eco-ansiedade em sua saúde mental.

Os dados são de um dos últimos estudos da Associação de Psiquiatria Norte-Americana (APA), e revelam um crescimento rápido em pouco mais de um ano: em 2019, a taxa de “eco-ansiosos” era de 47%, exatamente 20% a menos.

Mas o que explica um avanço tão rápido do medo das mudanças climáticas? Bem, ainda segundo diferentes fontes acadêmicas, tal aumento está intimamente ligado à incidência de eventos climáticos extremos, que também se tornaram mais frequentes.

Por mais que seja um tema ainda em discussão para ambos os campos da psicologia e da psiquiatria, a condição não é exatamente nova: por vezes generalizada como um “medo crônico dos eventuais efeitos de um cataclisma ambiental nesta ou futuras gerações”, a eco-ansiedade já foi observada em diferentes ocasiões.

Em 2006, buraco na camada de ozônio alcançou seu maior diâmetro até hoje: 29,5 milhões de quilômetros quadrados (Imagem: NASA)

Em meados dos anos anos 80, por exemplo, o “buraco” descoberto na camada de ozônio acendeu um debate sobre os riscos dos CFCs. Os clorofluocarbonetos, conforme eram chamados, eram gases amplamente utilizados na refrigeração, presentes em geladeiras e aparelhos de ar-condicionado do mundo todo.

O que não se sabia é que, uma vez expostos ao ar, esses gases degradavam a parte da atmosfera que protege os seres vivos dos raios solares. A descoberta causou pânico devido a um eventual aumento da incidência de câncer de pele, e para evitar que o buraco se expandisse, uma forte campanha global contra a utilização dos CFCs foi lançada.

Pouco menos de 30 anos depois, a abertura existente na camada de ozônio se recuperou consideravelmente, conforme apontam dados da NASA. Ainda que o ano previsto para o fechamento completo do buraco esteja longe, em 2050, a agitação social de décadas atrás foi fundamental para que evitássemos o pior.

E talvez seja o mesmo no caso da eco-ansiedade. Por que não?

Em um artigo recente, a revista digital Mashable entrevistou Britt Wray, autora do livro Geração Pavor: Encontrando Propósito em uma Era de Crise Climática (em tradução livre). Wray, que é doutora em Comunicação Científica, descreve como uma reflexão sobre a própria perspectiva de futuro a tornou uma especialista em eco-ansiedade, além de dar dicas de como lidar com o problema.

Ao longo da reportagem, a pesquisadora conta que tudo começou com o questionamento sobre ter ou não filhos. Após refletir sobre o futuro que as crianças herdariam, tornou-se inevitável que ela conjecturasse sobre extinções em massa, escassez na agricultura e outras catástrofes.

Em um determinado ponto, a autora afirma ter sido invadida por um “profundo sentimento de desesperança” – o que primeiro a fez chorar copiosamente durante o caminho de volta para casa, mas depois contribuiu para que ela iniciasse sua pesquisa.

Anos depois, em 2021, Wray esteve entre os vários signatários de um estudo publicado na revista científica Lancet – no qual foram consultados mais de 10 mil jovens, entre 16 e 25 anos. Ao final, o relatório aponta que mais da metade dos entrevistados declarou se sentir triste, ansioso, irritado, impotente, desamparado ou culpado, em face das mudanças climáticas.

Conforme ela mesma salienta, um pouco de eco-ansiedade é completamente normal. Afinal, a ansiedade costuma ser uma resposta do nosso corpo às circunstâncias – circunstâncias essas que, no caso do futuro do planeta, não são mesmo nada favoráveis.

Em seu livro, porém, a autora também busca ressignificar as inquietações de quem se sente angustiado com o tema. E para além de apenas preparar seus leitores para as catástrofes futuras, ela também defende que conhecer e discutir o tema será cada vez importante para enfrentar seus reflexos sociais.

Como exemplo de um dos riscos sociais degradação climática, a matéria do Mashable cita o eco-fascismo – movimento extremista que utiliza a defesa do meio ambiente como subterfúgio para defender xenofobia e limpeza étnica.

Conforme complementa Wray, isso ocorre porque, enquanto há pessoas que reagem ao medo com compaixão em relação às espécies e habitats, outros dão vazão à própria insegurança a partir da violência – tal como já ocorre em outras questões sensíveis para a humanidade.

Na sequência, a autora compartilhou algumas táticas para enfrentar a eco-ansiedade e seu consequente sentimento de desesperança:

Use a eco-ansiedade como um motivador

Não é à toa que as mudanças climáticas causam tanto temor nas pessoas. Conforme se concretizam, elas nos forçam a pensar sobre a nossa mortalidade, sobre as privações da vida futura e sobre o sofrimento de entes queridos.

Apesar disso, Wray defende que, em vez de nos paralisar, todas essas consternações podem servir de combustível. Na prática, para além de nos incentivar a lidar com o aquecimento global, fazendo com que cumpramos cada um a sua parte, teríamos no combate às mudanças climáticas um verdadeiro propósito de vida.

Para tanto, contudo, Wray defende que primeiro reconheçamos a existência da eco-ansiedade, para então refletir sobre a maneira mais lógica de lidar com ela. Muito embora pareça simples, tal abordagem não é nada intuitiva, uma vez que a maioria das pessoas quer simplesmente se ver livre desse sentimento.

Não deixe de lado o ativismo interno

Outra tática recomendada por Wray é trabalhar o que ela chama de ativismo interno. Na prática, a ideia se resume focar não apenas nos resultados catastróficos da mudança climática, mas também na possibilidade de que a conscientização promova um futuro melhor. Com isso, ela defende que, ao manter as duas ideias opostas em mente, fica mais fácil transformar a insatisfação em atitude.

Aposte nas conexões sociais

Nesta última dica, Wray explica que lidar com a eco-ansiedade pode ser um processo bem individualista. Isso porque as pessoas focam muito nas próprias decisões – comprar um carro elétrico, banir o uso de plásticos, coisas do tipo.

Apesar dessas não serem atitudes ruins, ela argumenta que pode ser muito mais produtivo se concentrar em esforços coletivos, ou seja, aqueles com metas e resultados compartilhados entre várias pessoas.

A fim de sustentar a sua tese, Wray aponta que, via de regra, nas questões sociais, encontrar apoio na própria comunidade é uma forma efetiva de contornar o problema, bem como de superar suas eventuais consequências.

Para além disso, a autora também explica que o senso de coletividade pode ser um fator de sobrevivência num futuro apocalíptico: imagine um mundo onde relações sociais bem estabelecidas são capazes de mobilizar as pessoas – não é difícil imaginar o quanto isso seria útil após um evento climático extremo, por exemplo.

Ao final, o apoio coletivo não só facilitaria a superação material da crise, com o compartilhamento de recursos e mantimentos, mas também forneceria meios de superá-la emocionalmente.

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