“Pluribus” vai te deixar desconfortável (e você vai gostar disso)

“Pluribus” é uma palavra de origem latina que significa “de muitos”. Ela costuma aparecer associada à ideia de união, coletividade e construção conjunta. Não por acaso, esse conceito dá nome a uma nova série de ficção científica da Apple TV+, criada por Vince Gilligan. Para mim, só esse nome já foi suficiente para despertar curiosidade.

Eu sou muito fã da forma como Vince Gilligan constrói histórias. Quem já assistiu a “Breaking Bad” – uma de minhas séries favoritas criada por ele – sabe que seus episódios não têm pressa. Às vezes parece que quase nada aconteceu, mas quando o episódio acaba, fica claro que muita coisa foi dita. Não só nos diálogos, mas nas cores, nos silêncios, nos enquadramentos. Nada é só o que está na tela, mesmo quando a tela é o centro de tudo.

Lançada em novembro de 2025, “Pluribus” se passa em um mundo, digamos, pós-apocalíptico transformado por um evento global que unificou grande parte da humanidade em uma única consciência coletiva. A série acompanha Carol Sturka, uma das poucas pessoas que não foram “contaminadas” por essa nova forma de existência. É a partir do olhar de quem ficou de fora que a gente conhece esse mundo aparentemente mais calmo, organizado e harmonioso.

A premissa me pegou rápido. Nesse novo mundo, não existem mais guerras, violência ou sofrimento causado pelo próprio ser humano. A destruição ambiental deixa de ser uma ameaça constante. É um planeta mais gentil, mais equilibrado, quase utópico. E, em vários momentos, me peguei pensando como seria viver em um lugar assim.

Mas esse encanto inicial logo dá lugar a um certo desconforto. A consciência coletiva cria um estado permanente de equilíbrio e ausência de conflito, mas também elimina escolhas, tensões internas e a variedade emocional que define a experiência humana. O que começa como alívio logo levanta uma pergunta incômoda: qual é o preço dessa paz absoluta?

Essa é a parte que mais ficou comigo depois dos episódios. É difícil não se encantar com a ideia de um mundo sem violência, sem guerras, sem destruição ambiental. Ao mesmo tempo, é aflitivo imaginar que, para isso, talvez a gente precise abrir mão do que nos torna indivíduos. A felicidade existe, mas parece padronizada. A paz é total, mas quase asséptica.

E aí vem o exercício inevitável: o que eu faria nesse cenário? Eu simplesmente aceitaria e aproveitaria? Viajaria, viveria tranquila, seguiria a vida sem questionar? Tentaria fingir que nada mudou e levar uma rotina normal? Ou recusaria as facilidades e as gentilezas dessa grande consciência coletiva, mesmo sabendo que isso teria consequências?

O que mais gosto em “Pluribus” é que ela não tenta responder essas perguntas por mim. A série não aponta caminhos nem oferece soluções fáceis. Ela só cria o espaço para a reflexão existir. E isso faz com que tudo soe muito próximo da nossa realidade atual.

Em um mundo cada vez mais mediado por tecnologia, sistemas de decisão automatizados e soluções que prometem bem-estar coletivo, “Pluribus” funciona quase como um espelho desconfortável. Até onde faz sentido delegar escolhas complexas a estruturas que prometem eliminar o sofrimento? Em que momento o conforto começa a custar caro demais?

No fim das contas, “Pluribus” é menos sobre eventos extraordinários e mais sobre nós mesmos. Sobre a dúvida incômoda de saber se é possível existir em um mundo melhor (mesmo que esse cenário, como na trama, tenha se dados de forma quase que não intencional), ou se esse mundo só funciona quando a gente deixa de ser quem é.

“Pluribus” é uma série original da Apple TV, cuja primeira temporada conta com nove episódios, sete já disponíveis. Em pouco tempo, ela se tornou a série mais assistida da história da plataforma, superando “Ruptura”, e já teve sua segunda temporada confirmada. Se você gosta de ficção científica que levanta perguntas difíceis e continua ecoando depois que o episódio termina, vale muito a pena assistir.

Pluribus — Trailer oficial | Apple TV