Categories Tecnologias SociaisPosted on 21/10/202012/05/2022PhiSat-1, o primeiro satélite do mundo com inteligência artificial a bordo Apesar da onipresença da inteligência artificial na vida moderna – desde o aumento da nossa compreensão do cosmo até a transmissão de vídeos divertidos no seu celular – a Inteligência Artificial ainda não havia chegado ao espaço. Mas essa história mudou no dia 2 de setembro, com o PhiSat-1. Apesar de a palavra “satélite” provavelmente evoca a imagem de algo do tamanho de uma geladeira ou de um ônibus escolar, mas esse cabe dentro de uma mochila. O satélite de teste do tamanho aproximado de uma caixa de cereal foi lançado a partir de um foguete, juntamente com 45 outros satélites de tamanho semelhante. No momento, o PhiSat-1 está voando a mais de 27.500 km/h em uma órbita sincronizada com o Sol, a uma distância aproximada de 530 km da Terra. O satélite conta com uma nova câmera hiperespectral térmica e processamento de inteligência artificial integrado graças ao Intel Movidius Myriad 2 Unidade de Processamento de Visão (VPU) – trata-se do mesmo processador embutido em diversas câmeras inteligentes e até mesmo naqueles drones mais básicos usados aqui na Terra. Na verdade, o PhiSat-1 é formado por um par de satélites cuja missão consiste em monitorar o gelo polar e a umidade do solo, além de testar sistemas de comunicação intersatélites a fim de criar uma futura rede de satélites federados. E qual é o primeiro problema que o Myriad 2 está ajudando a resolver? Como lidar com a grande quantidade de dados gerados por câmeras de alta fidelidade como a do PhiSat-1. “A capacidade que os sensores têm de produzir dados aumenta usando um fator de multiplicação de 100 a cada geração. Já a nossa capacidade de download aumenta por um fator de apenas três, quatro ou cinco por geração”, explica Gianluca Furano, líder de sistemas de dados e computação embarcada na Agência Espacial Europeia, responsável pelos esforços colaborativos por trás do PhiSat-1. Além disso, cerca de dois terços da superfície terrestre é coberta por nuvens a qualquer hora do dia. Isso significa que muitas imagens sem utilidade acabam sendo capturadas, salvas, enviadas através de uma preciosa largura de banda de down-link para a Terra, onde são salvas novamente, revisadas por um cientista (ou algoritmo) em um computador horas ou dias depois – apenas para serem excluídas. “A inteligência artificial na borda é o que nos salva, é como a cavalaria dos filmes de faroeste”, explica Furano. A ideia da equipe era usar o processamento embarcado para identificar e descartar as imagens de nuvens – o que economizaria cerca de 30% da largura de banda. “O espaço é a última fronteira”, afirma Aubrey Dunne, CTO da Ubotica. A startup irlandesa é responsável pela construção e teste da tecnologia de inteligência artificial PhiSat-1 em estreita colaboração com a Cosine, fabricante da câmera, além da Universidade de Pisa e Singergise para desenvolver a solução completa. “O Myriad foi construído a partir do zero com o objetivo de oferecer uma capacidade de computação excepcional, mas com um envelope de energia muito baixo. No fim, era algo ideal para aplicação no espaço.” No entanto, não estava nos planos enviar o Myriad 2 para o espaço. Os computadores a bordo de espaçonaves normalmente usam processadores muito especializados “endurecidos por radiação” que podem estar “até duas décadas atrasados em relação à tecnologia comercial de ponta”, explica Dunne. E a inteligência artificial ainda não estava no cardápio. Portanto, Dunne e a equipe da Ubotica apelaram para a “personalização por radiação”, submetendo o processador Myriad a uma série de testes a fim de descobrir como lidar com erros e desgastes. A ESA “nunca tinha testado um processador tão complexo com radiação”, explica Furano. “Tínhamos dúvidas quanto à execução correta dos testes e foi necessário redigir um manual sobre como executar os testes e caracterizações abrangentes a partir do zero.” O primeiro teste consistiu em 36 horas de radiação contínua na CERN, Organização Europeia para a Pesquisa Nuclear, em 2018. “Foi uma situação de pressão extrema”, completa Dunne. Felizmente, tanto esse teste quanto os dois seguintes foram bem-sucedidos. O Myriad 2 foi aprovado, sem precisar de quaisquer modificações. De uma hora para outra, o processador de visão computação de baixo consumo e alta performance estava pronto para se aventurar além da atmosfera terrestre. Sim! Mas lá vinha mais um desafio. Normalmente, os algoritmos de inteligência artificial são construídos, ou “treinados”, usando uma grande quantidade de dados para que possam “aprender” – nesse caso, a diferença entre o que é e o que não é uma nuvem. Mas por se tratar de uma câmera tão nova, “não tínhamos nenhum dado disponível”, explica Furano. “Tivemos que treiná-la usando dados sintéticos extraídos de missões anteriores.” Ao todo, o processo de integração e testes de sistema e de software, com diversas organizações espalhadas pela Europa atuando em diferentes fases do projeto, levou quatro meses. “Ficamos muito orgulhosos da nossa rapidez e flexibilidade, além de termos conseguido organizar tudo em pouco tempo”, afirma Max Pastena, responsável pelo PhiSat na ESA. Em termos de desenvolvimento aeroespacial, o cronograma “foi um milagre”, completa Furano. “Sempre pudemos contar com o suporte da Intel para o dispositivo Myriad e todas as nossas perguntas e dúvidas”, diz Dunne. “A Intel nos deu suporte básico no dispositivo Myriad quando necessário, para habilitar a inteligência artificial do PhiSat-1 usando nossa tecnologia CVAI”, continua Dunne, que completa: “Isso é muito apreciado.” Infelizmente, por conta de uma série de eventos externos – atrasos com o foguete, a pandemia do coronavírus e ventos adversos em pleno verão – a equipe terá que esperar mais de um ano para descobrir se o PhiSat-1 irá funcionar conforme planejado quando estiver em órbita. O lançamento, ocorrido em 2 de setembro na Guiana Francesa – o primeiro lançamento de satélite compartilhado de que se tem notícia, executado pela Arianespace – transcorreu de forma rápida e sem imprevistos. Numa verificação inicial, o satélite foi capaz de salvar todas as imagens e de gravar sua decisão de detecção de nuvem para cada uma delas. Assim, a equipe em Terra pode verificar se o cérebro implantado ali estava se comportando como esperado. Depois de uma longa pausa de três semanas, Pastena finalmente pode dizer: “Acabamos de entrar para a história do espaço.” A ESA divulgou que a equipe estava “feliz em anunciar a primeira inferência de inteligência artificial acelerada por hardware de imagens de observação da Terra em um satélite em órbita”. Com o envio restrito a pixeis úteis, agora o satélite irá “melhorar a utilização de largura de banda e reduzir significativamente os custos de downlink agregados”. Isso sem falar na economia de tempo dos cientistas em Terra. O futuro traz inúmeras oportunidades de uso de satélites minúsculos de baixo custo e aprimorados por inteligência artificial – especialmente se forem capazes de executar vários aplicativos ao mesmo tempo. “Ao invés de hardware dedicado em um satélite que faz apenas uma coisa, será possível ligar e desligar essas redes”, afirma Jonathan Byrne, chefe do escritório de tecnologia Intel Movidius. Dunne, da Ubotica, chama o avanço de “satellite as a service”. Pense nisso: No caso de regiões suscetíveis a incêndios, o satélite será capaz de identificar incêndios e notificar as equipes de bombeiros em poucos minutos, em vez de horas. Ao sobrevoar os oceanos, que geralmente são ignorados, o satélite será capaz de identificar embarcações ilegais ou acidentes ambientais. No caso de florestas e fazendas, o satélite poderá acompanhar as taxas de umidade do solo e crescimento das plantações. Já em regiões geladas, irá acompanhar a espessura do gelo e pontos de degelo, ajudando no monitoramento das mudanças climáticas. Muitas dessas possibilidades serão testadas em breve: a ESA e a Ubotica estão trabalhando lado a lado no desenvolvimento do PhiSat-2, que enviará outro Myriad 2 para a órbita da Terra. O PhiSat-2 será “capaz de executar aplicativos de inteligência artificial que podem ser desenvolvidos, facilmente instalados, validados e operados na própria espaçonave durante o voo usando uma simples interface de usuário.” Para a Intel, trata-se de um mercado de baixo volume, mas com potencial de impacto inquestionável. Conforme a colocação de Pastena, em breve seremos capazes de compreender “a pulsação do nosso planeta”. Compartilhe esse artigo: