Categories Tecnologias SociaisPosted on 12/09/202212/09/2022Realidade virtual é usada para reabilitação de pessoas com amputação Você provavelmente já notou o quanto a realidade virtual tem revolucionado o mundo dos games, certo? Mas, dessa vez, essa inovação está sendo usada com um propósito de impacto, que pode revolucionar outro campo muito importante: a medicina. Pesquisadores e pesquisadoras da disciplina de Neurociência da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), do Laboratório de Neuroengenharia e Neurocognição, em parceria com o Instituto Lucy Montoro (SJC), publicaram, neste mês de agosto, um artigo científico na revista Human Neuroscience propondo um novo sistema e protocolo de reabilitação para pessoas com amputação transfemoral, baseado no controle de uma prótese virtual dentro de um ambiente de realidade virtual. O objetivo do trabalho foi avaliar se pessoas com amputação transfemoral poderiam perceber uma prótese virtual como parte do próprio corpo (apropriação neurocognitiva) para acelerar o processo de protetização. Atualmente, sabe-se que a apropriação neurocognitiva de uma prótese é um ponto chave no processo de reabilitação e adaptação ao uso do membro protético, trazendo uma série de benefícios para o paciente, tais como facilitação do aprendizado e controle mais intuitivo ao uso da prótese, melhor aceitação psicológica, restauração do “mapa corporal”, além de auxiliar no tratamento da dor no membro residual e dor fantasma. “Nós desenvolvemos um novo sistema que consiste no registro da atividade muscular do membro residual, a qual é convertida no controle dos movimentos de uma prótese virtual, dentro de um ambiente de realidade virtual em três dimensões e em primeira pessoa. Além disso, associamos, a esse movimento da prótese virtual, padrões de estimulação vibro-tátil nas costas dos participantes. Esses estímulos forneciam informação sobre o movimento da prótese, ajudando o voluntário a perceber o controle realizado”, explica o pesquisador Jean Faber, coordenador do projeto e professor do Departamento de Neurologia e Neurocirurgia da Escola Paulista de Medicina (EPM), da Unifesp. “Participaram deste trabalho seis homens e uma mulher com amputação transfemoral traumática, sem uso prévio de prótese. O protocolo consistiu na realização de seis sessões de treinamento, realizadas duas vezes por semana, com duração de 30 minutos cada. Para avaliar a apropriação neurocognitiva da prótese virtual, foi utilizado um conjunto de medidas – psicofísicas e eletrofisiológicas, além de relatos dos participantes”, detalha Karina Rodrigues, primeira autora do artigo e responsável por conduzir a pesquisa que foi tema de seu doutorado defendido ano passado na Unifesp. Os resultados deste estudo foram publicados na revista Human Neuroscience, do grupo Frontiers, no tópico especial Interface Cérebro-Máquina. Os principais achados do trabalho, assinado por nove pesquisadores brasileiros, foram: Resposta de condutância da pele Esta medida eletrofisiológica foi utilizada para avaliar mudanças na atividade do sistema nervoso autônomo simpático, mediante uma ameaça aplicada à prótese dentro do ambiente de realidade virtual. Observou-se um aumento da resposta de condutância da pele quando a prótese virtual foi ameaçada, tanto no início como ao final do treinamento, sendo que, ao final, esta resposta foi de maior magnitude. Este resultado demonstra que os participantes reagiram à ameaça à prótese virtual de maneira similar como reagiriam a uma ameaça ao seu próprio corpo. Efeito congruente cruzado Este é um índice calculado a partir de um teste psicofísico baseado no tempo de reação para identificar um estímulo tátil aplicado no próprio corpo do participante, enquanto observava um estímulo visual dentro do ambiente de realidade virtual. O aumento deste efeito ao fim do treinamento indica uma extensão da representação do espaço peripessoal para incluir a prótese virtual. O espaço peripessoal é uma representação neurocognitiva formada a partir da integração de informações sensoriais relacionadas ao próprio corpo e o espaço logo ao seu redor. Capacidade de controle da prótese virtual O protocolo de treinamento foi desenhado levando em consideração o aprendizado por condicionamento operante associado ao controle muscular. Desse modo, houve um aumento progressivo da dificuldade para realização das tarefas e controle da prótese virtual. Os participantes apresentaram alto desempenho durante todo o treinamento, mesmo com a progressão da dificuldade, o que indica um refinamento no controle dos movimentos. Relato dos participantes Os participantes relataram elevada percepção de que a prótese virtual pertencia ao próprio corpo e que podiam controlá-la. Essa percepção se manteve ou aumentou ao longo do treinamento para a maioria dos participantes. Um dos participantes, por exemplo, contou que usou as mesmas estratégias para mover a prótese virtual de quando movia seu membro fantasma. Um outro participante relatou que, quando estava imerso no ambiente virtual, além de perceber a prótese virtual se movendo, sentia como se seu membro fantasma também se movesse. A partir desses resultados, os autores mostraram que os participantes se apropriaram neurocognitivamente da prótese virtual, ou seja, perceberam a prótese virtual como parte do próprio corpo. “Este é um estudo de uma série de casos. Ainda são necessárias outras pesquisas com grupo controle, ensaios clínicos controlados e aleatorizados para que esse sistema e protocolo possam ser de fato aplicados na clínica. Contudo, este trabalho estabelece os primeiros direcionamentos na compreensão dos principais mecanismos fisiológicos e princípios neurocognitivos, de forma quantitativa e sistemática, ao longo do processo de reabilitação de pessoas com amputação. Esperamos que, a partir desse estudo, novas pesquisas sejam realizadas para o estabelecimento do método”, complementa Karina Rodrigues. O projeto já gerou duas patentes e atualmente a pesquisa continua com outras duas vertentes: em uma primeira, os pesquisadores, em parceria com o Grupo de Computação da Universidade Federal do Ceará (UFC), estão analisando os sinais de eletroencefalografia registrados durante todo o protocolo, os quais ainda podem ser explorados de diferentes formas. Espera-se encontrar algum marcador eletrofisiológico que indique neuroplasticidade ao longo do treinamento. “Em outra frente, em uma parceria com o Departamento de Engenharia Biomédica da Unifesp – campus São José dos Campos, estamos desenvolvendo novas ferramentas computacionais em inteligência artificial para a otimização do reconhecimento das assinaturas da atividade muscular para o controle de uma prótese real”, conclui Jean Faber. Compartilhe esse artigo: