O que as 30 cidades mais bike friendly do mundo têm em comum?

O que as 30 cidades mais bike friendly do mundo têm em comum?

  • • As cidades mais bike friendly redesenharam ruas, reduziram o espaço dos carros e criaram redes cicloviárias contínuas e protegidas.
  • • A bicicleta integra transporte público, logística urbana e políticas sociais, incluindo crianças, idosos e pessoas de baixa renda.
  • • Planejamento de longo prazo, metas claras e uso de dados tornam a bicicleta uma política permanente da cidade.

O Copenhagenize Index 2025 revelou recentemente as 30 cidades mais bike friendly do mundo. Utrecht, Copenhague, Paris, Montreal, Vancouver, Breslávia, Bolonha e tantas outras aparecem no topo do ranking e, olhando de fora, é tentador justificar com “ah, mas lá é Europa”, ou “é porque a cidade já foi feita para isso”. Só que, quando aprofundamos o olhar, o padrão é outro: essas cidades não chegaram a esse nível por acaso, nem começaram do zero. Elas evoluíram porque decidiram redesenhar o modo como a cidade funciona.

Muito além da ciclovia bonitinha

Um dos pontos mais claros no Copenhagenize Index 2025 é que nenhuma dessas cidades apostou em uma ciclovia bonita aqui e outra ali. Elas construíram redes contínuas de infraestrutura cicloviária: centenas de quilômetros de ciclovias protegidas, conectando bairros, centros comerciais, universidades, parques e estações de transporte público.

Utrecht, Amsterdã, Antuérpia, Breslávia, Rotterdam e outras tratam a bicicleta como um sistema de mobilidade completo. Já Lyon, Nantes, Bordeaux, Bolonha e Vitoria-Gasteiz deram um passo além: criaram nomes e identidades próprias para suas redes cicloviárias, como Voies Lyonnaises, Grandes Voies Vélo, Bicipolitana e Velostras.

Isso torna a experiência muito mais intuitiva para a população. Em vez de enxergar “uma ciclovia qualquer”, a pessoa começa a reconhecer linhas, rotas e conexões, quase como acontece em um metrô. Fica mais fácil entender para onde cada trajeto leva, planejar deslocamentos e perceber que existe um sistema completo disponível, não trechos soltos pela cidade.

Outro ponto em comum: a “era da faixa pintada” está ficando para trás. Munique, Bonn, Quebec e Vancouver estão trocando tinta no chão por ciclovias fisicamente protegidas, com canteiros, barreiras, árvores ou desníveis. A mensagem é direta: aqui é espaço da bicicleta, não sobra de pista de carro.

Quando o carro deixa de ser o protagonista

Se há um fio condutor entre quase todas as cidades do top 30 é a redução da velocidade e do poder do automóvel. Em Paris, Lyon, Nantes, Bordeaux, Oslo, Zurique, Rotterdam, Montreal, Vancouver e tantas outras, o limite de 30 km/h virou o novo padrão urbano em boa parte da malha viária.

Mais do que isso, muitos lugares estão convertendo faixas de carro em ciclovias e calçadas largas. A Ponte Granville, em Vancouver, perdeu duas faixas de automóveis para dar lugar a caminhos amplos e seguros para bicicletas e pedestres. Rotas centrais em Paris, Rotterdam, Gante e Bordeaux passaram pelo mesmo processo: onde antes passavam carros, hoje circulam pessoas.

Em paralelo, surgem zonas de tráfego reduzido, centros históricos sem carros, bairros onde só residentes e entregas controladas têm acesso motorizado. Menos ruído, menos poluição, mais espaço público.

Bicicleta + transporte público = um sistema só

Outro traço comum é a integração profunda entre bicicleta e transporte coletivo. Utrecht, Amsterdam, Rotterdam, Haia, Berna, Zurique, Lyon, Nantes, Montreal e Quebec investiram pesado em estações gigantes de estacionamento para bicicletas ao lado de trens, metrôs e bondes.

A lógica é simples: a bicicleta resolve o percurso inicial e final do trajeto, enquanto o transporte público cuida das distâncias maiores. Em vez de disputar espaço, eles se completam.

Corredores cicloviários “radiais” ou verdadeiras autoestradas de bicicleta ligam bairros periféricos às estações principais em Malmo, Munique, Estocolmo, Vitoria-Gasteiz, Quebec e outras. Aqui, pedalar não é um plano B, é parte do sistema.

Segurança para pedalar… e para estacionar

Outro consenso silencioso: não existe cidade bike friendly sem lugar seguro para deixar a bicicleta. Por isso, várias dessas cidades contam com dezenas de milhares de vagas de estacionamento, sejam elas subterrâneas, em garagens específicas, em prédios adaptados ou em estruturas moduladas nos bairros.

A Antuérpia, por exemplo, transformou prédios ociosos em estacionamentos de bikes por assinatura, uma solução inteligente para áreas densas. Bologna e outras cidades passaram a exigir estacionamento seguro para bicicletas em novos empreendimentos. E isso é essencial, porque infraestrutura cicloviária não é só pista; envolve também locais seguros de guarda, boas travas e a certeza de que a bicicleta estará protegida.

Leia também: “Por dentro do maior estacionamento de bicicletas do mundo”

Planejamento, dados e política pública consistente

Nada disso aconteceria se essas cidades dependessem apenas de projetos pontuais ou da boa vontade de uma gestão específica. Em comum, elas têm planos claros de mobilidade ativa, com metas de participação da bicicleta nos deslocamentos, redes definidas e cronogramas de entrega.

Estratégias como as de Bologna, Graz, Montreal, Gante ou Quebec combinam visão de longo prazo, governança com múltiplos atores (poder público, organizações da sociedade civil, comércio local) e uso intenso de dados. Contadores de bicicleta em vias movimentadas, dashboards de uso de bike-share e monitoramento constante ajudam a ajustar rotas e políticas.

É uma mudança importante: a bicicleta deixa de ser “projeto simpático” e vira indicador de desempenho da cidade.

Bicicleta para todos, não só para poucos

Um dos aspectos mais ricos do ranking é perceber como essas cidades trabalham a dimensão social da mobilidade ativa. Há um esforço claro para que a bike seja modo de transporte universal, e não um símbolo de nicho. Isso aparece em:

  • Educação cicloviária desde cedo: aulas e exames em escolas, “ruas escolares” que fecham para carros nos horários de entrada e saída, playgrounds de bicicleta.
  • Programas de inclusão econômica: bicicletas reformadas com preços acessíveis, planos de bike-share com tarifas reduzidas, subsídios para e-bikes e cargo bikes.
  • Foco em gênero e idade: cidades em que as mulheres já são maioria entre ciclistas, ou onde há programas específicos para idosos ganharem confiança no pedal.

Quando crianças, idosos e mulheres ocupam as ciclovias, isso sinaliza que o sistema é realmente seguro e convidativo.

Economia, logística e clima: a bicicleta como infraestrutura crítica

Por fim, essas cidades entendem que a bicicleta não é só deslocamento individual: ela é infraestrutura econômica e climática.

As cargo bikes, por exemplo, fazem entregas de mercadorias, coletam resíduos e abastecem pequenos comércios com rapidez e sem poluir. Em várias cidades, pequenos centros de distribuição espalhados pelos bairros permitem que caminhões deixem suas cargas em pontos estratégicos e, a partir dali, as bicicletas assumem os trechos mais internos e sensíveis da cidade, onde o trânsito é mais lento e o impacto dos veículos motorizados é maior. Também há regras que restringem entregas motorizadas em certos horários, abrindo caminho para soluções mais limpas e silenciosas.

Nos lugares de clima frio ou com neve, como Helsinque, Oslo, Montreal, Estocolmo e Quebec, a resposta nunca foi abandonar a bicicleta durante o inverno, mas sim adaptar a operação urbana. As ciclovias passam por rotinas específicas de limpeza, os governos oferecem incentivos para pneus de inverno e muitos sistemas de bike-share funcionam o ano inteiro. O que essas cidades mostram é que clima não é uma barreira definitiva, e sim um desafio de gestão que pode ser enfrentado com planejamento e decisão política.

A mensagem final é clara: quando a cidade decide levar a bicicleta a sério, ela mexe na rua, na lei, na cultura, no orçamento e na logística ao mesmo tempo. É isso que une as 30 cidades mais bike friendly do mundo; e é exatamente esse nível de ambição que falta na maioria das cidades que ainda tratam ciclovia como uma obra isolada.


Créditos: Imagem Destaque – Curioso.Photography/Shutterstock

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