Você não odeia a segunda-feira. Você odeia não poder ser você mesmo.

Você não odeia a segunda-feira. Você odeia não poder ser você mesmo.

A publicação a seguir foi adaptada para a língua portuguesa a partir do texto “You Don’t Hate Mondays, You Hate Not Being Yourself – Capitalism is only part of the problem”, de Drake Caeneus, escritor e professor, formado em Teoria Crítica e Direito.


É domingo à noite enquanto escrevo isso, e posso sentir o incômodo da segunda-feira se aproximando de mim. O que tenho medo de perder? Meu tempo livre? As possibilidades infinitas de um dia sem obrigações?

Para aqueles de nós que trabalham de segunda a sexta-feira, talvez a resposta seja óbvia: nós abdicamos de nosso tempo livre – nosso “eu” livre – e voltamos ao mundo do trabalho, da escola e das demandas externas. Se é verdade que muitos de nós estão “vivendo no fim de semana”, a segunda-feira, de certo modo, representa a morte de algo essencial.

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Um dos meus memes favoritos é uma foto do crítico teórico Slavoj Žižek emoldurado pelas palavras “Você não odeia segundas-feiras. Você odeia o capitalismo.” Não é provável que essa citação realmente venha de Žižek, mas seu significado é o que realmente importa.

Eu não sou muito fã do capitalismo, mas mesmo aqueles que o defendem podem se relacionar com o sentimento de medo que surge dentro de nós em uma noite de domingo. As segundas-feiras são (tradicionalmente) quando mergulhamos de novo no dia de trabalho, no trânsito, na agitação que impulsiona grande parte da nossa economia.

As segundas-feiras não são apenas um lembrete de que temos que passar boa parte de nossas vidas trabalhando em empregos que talvez não gostemos – elas podem ser um lembrete dos sonhos que desistimos, das dívidas que estamos trabalhando para pagar, da insuficiência de nossos salários e da repetitividade da vida cotidiana que, para alguns de nós, pode parecer futilidade.

Mas dizer que odiamos segundas-feiras apenas por causa do capitalismo é muito fácil. Se vivêssemos sob um sistema econômico diferente, em que a semana de trabalho ainda existisse e começasse às segundas-feiras, o medo ainda permaneceria? Provavelmente. Porque trabalhar é mais do que apenas ganhar dinheiro e participar da economia. O trabalho também é uma grande parte de como participamos da sociedade.

Em “A Condição Humana”, Hannah Arendt define três maneiras distintas pelas quais os humanos participam do mundo: labor, trabalho e ação.

Segundo Hannah, o labor abrange os diferentes processos biológicos através dos quais produzimos as coisas de que precisamos para sobreviver, como cultivar e preparar alimentos ou criar e cuidar dos filhos.

O trabalho se refere ao que fazemos para construir um mundo artificial de coisas. Podemos trabalhar para produzir essas coisas diretamente – digamos, construindo arranha-céus ou fabricando toalhas de papel. Ou podemos participar de sua produção indiretamente enviando peças de motor, desenterrando metais raros ou distribuindo panfletos em uma esquina.

A Ação, no entanto, descreve as atividades e as articulações que acontecem entre pessoas, como política ou comunicação. É através da ação que nos “revelamos” uns aos outros. Pela definição de Hannah, ação não é simplesmente qualquer forma de comportamento ou movimento. A ação representa os atos que mostram quem realmente somos.

A Ação, em outras palavras, requer algum grau de liberdade. Para nos colocarmos no mundo – para agir livremente – precisamos de espaço para agir. No mercado de empregos modernos, muitos de nós não temos muito desse espaço. Quando aceitamos um emprego, também aceitamos muitos termos que condicionam o que podemos dizer e fazer no trabalho. Isso é talvez mais claramente visto em posições com um alto grau de automação. Nos armazéns da Amazon, por exemplo, os funcionários recebem instruções de monitores eletrônicos e podem ser penalizados por conversarem com colegas de trabalho ou por se afastarem para beber água.

Os limites à liberdade também podem ser encontrados em posições de colarinho branco e posições de serviço, onde altas demandas limitam o pensamento verdadeiramente independente e onde uma cultura de trabalho específica pode se tornar pressão para combinar atitudes e políticas com o mainstream. Como professor de escola pública, eu estava constantemente ciente dos limites em torno do meu papel, não apenas em termos de como eu compartilhava meus próprios pensamentos e opiniões, mas como eu usava o tempo de das aulas. A pressão para ensinar uma grande quantidade de conteúdo e aumentar o desempenho dos alunos significava que todos os momentos em sala de aula precisavam ser justificados. Encontrar espaço para ações criativas e generativas pode parecer impossível em meio a tantos requisitos e expectativas.

Em contraste com todos os deveres e obrigações da semana de trabalho, o fim de semana se torna um paraíso para usar o tempo para nos tornarmos nós mesmos. Se não podemos ser criativos no trabalho, encontraremos maneiras de expressar nossa criatividade em nosso tempo livre. O fim de semana se torna a liberdade não apenas do trabalho, mas a liberdade em um sentido de quem somos.

Mas é realmente assim que vivemos os finais de semana?

Se estamos tão acostumados a fazer o que os outros esperam e nos contratam para fazer, de modo o que nos sentimos alienados de nosso lado criativo, podemos procurar maneiras de esquecer ou entorpecer esse lado. Mesmo nos finais de semana, nós evitamos a nós mesmos. Estamos tão acostumados a ser outra pessoa, é difícil para nós sermos nós. Então, escapamos para os prazeres. Nós nos entorpecemos com drogas, Netflix ou o mais novo filme da Marvel. Estamos “ocupados”, temos “planos”. Nós almoçamos com os amigos e depois vamos fazer compras no shopping e depois corremos para assistir a um jogo de bola com a família. Nós preenchemos o tempo com tantas atividades externas que nos esquecemos do quão controladas são nossas vidas.

Mas nos preciosos momentos em que agimos como queremos, suspendemos as regras do jogo. Nós nos tornamos nós mesmos, finalmente.

Talvez nós realmente não odiemos as segundas-feiras. O que realmente odiamos, talvez, seja a sensação incômoda de que não estamos totalmente presentes em nossas próprias vidas. A segundas-feiras nos cutucam para perguntar: em quais partes desta vida eu sou realmente livre?

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