Precisamos quebrar o mito de que pessoas “felizes” não podem ter depressão

Precisamos quebrar o mito de que pessoas “felizes” não podem ter depressão

Em junho deste ano, quando surgiu a notícia de que Kate Spade, designer de moda norte-americana e fundadora da marca Kate Spade New York, havia se suicidado aos 55 anos, não foi apenas trágico como todas as mortes prematuras são trágicas. Para muitos, a questão parecia ser mais profunda. Muitas pessoas falaram sobre como as campanhas publicitárias da marca Kate Spade contribuíram positivamente para a melhora de sua autoconfiança, enquanto outras se mostraram chocadas, como se a marca Kate Spade – que parecia a própria essência da felicidade em forma de uma carteira, uma agenda ou um vestido – e a pessoa Kate Spade fossem a mesma coisa.

Mas, obviamente, esse não é o caso: a empresária poderia ser vista pelo mundo como a personificação da felicidade e ainda assim corria o risco de sofrer de uma uma doença mental, porque qualquer pessoa, não importa o quão bem-sucedida ou privilegiada seja, corre o risco de ter uma doença mental. E todas as pessoas, não importa quais suas condições de vida, precisam saber que podem pedir ajuda a qualquer momento e por qualquer motivo.

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O marido de Kate, Andy Spade, deu uma declaração ao The New York Times confirmando que a designer estava passando por um tratamento para depressão e ansiedade durante o período de sua morte.

“Ela estava ativamente procurando por ajuda e trabalhando junto a seus médicos para tratar sua doença,” Andy Spade disse.

Independente do que Kate estava vivendo internamente, o choque mundial com relação à sua morte expõe alguns dos preconceitos inconscientes que temos com relação a doenças como a depressão. Doenças mentais não escolhem cor, gênero, religião ou classe social, mas quando uma figura pública, que está fora de nosso convívio diário e que imaginávamos ter uma vida feliz, se suicida, pode ser um choque, uma vez que não podemos ver pessoalmente os sinais de alerta de risco de suicídio. Robin Williams fazia comédias, então como ele poderia estar deprimido? Kate Spade vendia roupas brilhantes e alegres, então como ela poderia estar lutando contra a depressão? Na verdade, esse tipo de pensamento pode ser incrivelmente perigoso. Qualquer um pode ter altos e baixos na vida, e apresentar uma imagem que reflete apenas um lado dessa experiência. Mas mesmo para as pessoas que parecem “felizes”, quase sempre existem sinais de luta contra uma saúde mental que podem ser percebidos por pessoas próximas.

Kate Spade tinha condições financeiras que a permitiam cuidar de sua saúde mental e a declaração de seu marido ao The New York Times confirmou que ela estava buscando tratamento. Mas, além da questão financeira, existem muitos outros obstáculos que pessoas com uma doença mental podem encontrar durante sua jornada – incluindo medo relacionado ao estigma social – que fazem com que muitas dessas pessoas não procurem ajuda e até mesmo deixem de recorrer a recursos aos quais elas possuem acesso.

Pessoas com uma família “perfeita” podem sofrer depressão, pessoas bem-sucedidas em suas carreiras podem sofrer depressão, pessoas com muitos amigos, namorados, etc. Na maioria das vezes, fatores externos não possuem qualquer relação com a probabilidade de alguém ter uma doença mental ou não. É possível ter uma vida aparentemente “perfeita” e ainda assim ter uma doença mental, da mesma forma como é possível ter uma vida perfeita e ainda assim sofrer de uma doença física.

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No Brasil, cerca de 11 mil pessoas morrem por suicídio anualmente. Para quebrar os estigmas sociais relacionados à saúde mental não é necessário apenas tornar o tratamento financeiramente acessível, embora esse seja um elemento extremamente importante. Além disso, precisamos fazer com que qualquer pessoa possa se sentir confortável para pedir ajuda e buscar tratamento e apoio sem temer o julgamento das pessoas ao seu redor. Kate Spade fez uma fortuna com uma marca que fala sobre diversão e liberdade, enquanto ela mesma estava sofrendo. É preciso que todos entendam que qualquer pessoa pode buscar apoio, a qualquer momento, não importa quantas coisas boas ela possua na vida, ou quão feliz ela pareça ser por fora, ou por qualquer outro motivo que seja.

Se você ou alguém que você conhece estiver com pensamentos suicidas, converse com um voluntário do Centro de Valorização da Vida (CVV) ligando para 188 ou 141 (nos estados Bahia, Maranhão, Pará e Paraná), ou diretamente ao posto de sua região, consultando esta lista. Em todas as formas de contato com o CVV, você é atendido por um voluntário, com respeito e anonimato, que guardará estrito sigilo sobre tudo que for dito e de forma gratuita. Os voluntários do CVV são treinados para conversar com todas as pessoa que procuram ajuda e apoio emocional. Se em sua cidade não há um posto de atendimento do CVV, você pode utilizar o atendimento por chat ou e-mail – disponíveis aqui.

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