É possível consumir conteúdos de “True Crime” de forma ética?

É possível consumir conteúdos de “True Crime” de forma ética?

O fenômeno internacionalmente conhecido como “True Crime” (Crime Real) tem ganhado cada vez mais destaque, particularmente entre podcasts, documentários e séries documentais. Essa nomenclatura, amplamente reconhecida em sua forma original em inglês, denota a exploração de crimes reais.

A presença marcante desse tema é evidente globalmente. Grandes veículos como “The Guardian” já o reconhecem como uma potente marca editorial. Em evidência, séries como “Dahmer: Um Canibal Americano”, “Pacto Brutal – O Assassinato de Daniella Perez” e o título mais recente lançamento da Netflix “Isabella: o Caso Nardoni” rapidamente se tornam tópico de debates fervorosos nas redes sociais, encontros casuais e até no escritório. No Brasil, a tendência segue em ascensão, com uma crescente onda de conteúdos sendo avidamente consumidos.

Truman Capote, com seu livro “A Sangue Frio” de 1966, é frequentemente citado como precursor do interesse midiático por “True Crime”. Contudo, registros antigos, como os de Jack, o Estripador, e H.H. Holmes no século XIX, ou a trágica história de Elizabeth Short, conhecida como “Dália Negra”, em 1947, mostram que o interesse pela temática não é novo. Há quem argumente que até mesmo execuções públicas antigas poderiam ser consideradas como primeiros indícios desse entretenimento ligado ao crime e à morte.

A atenção dada a narrativas criminais não é recente. As razões para esse engajamento são diversas. Enquanto alguns almejam compreender mais profundamente questões de justiça e reforma, outros são cativados pelo mero entretenimento. Pesquisas indicam que há uma tendência positiva em focar em reformas no sistema judiciário e em casos pendentes. No entanto, o “True Crime” também apresenta nuances mais sombrias.

O “True Crime” pode, em alguns contextos, glamorizar ou sensacionalizar crimes, explorando a dor das vítimas e suas famílias em busca de audiência. Há também o perigo de propagar informações distorcidas ou falsas, o que pode reforçar estigmas ou comprometer investigações em andamento. O consumo excessivo desse gênero também corre o risco de dessensibilizar o público, tornando-o menos sensível às realidades traumáticas apresentadas.

Por isso, para os entusiastas de “True Crime”, é essencial refletir sobre:

O que atrai no gênero? O universo do “True Crime” envolve uma mistura complexa de medo, curiosidade e desejo de justiça. Muitos são atraídos pela sensação de pertencimento que a comunidade proporciona, criando um espaço onde pessoas com interesses semelhantes podem compartilhar pensamentos e teorias. Mulheres, em particular, veem nas histórias de sobreviventes um espelho de resiliência, encontrando conforto e empoderamento nas narrativas. Para outros, a motivação pode ser a simples curiosidade mórbida, a busca por adrenalina ou até uma tentativa de entender a psicologia por trás dos atos criminosos.

Quais emoções são evocadas? Os crimes reais têm a capacidade de atingir uma vasta gama de emoções, desde a indignação à compaixão, passando pelo medo e pela esperança. Além de desvendar os mistérios por trás dos crimes, as narrativas também permitem aos ouvintes se colocarem no lugar das vítimas, investigadores ou até dos criminosos. Entender e reconhecer esses sentimentos e sua origem é fundamental para avaliar as motivações pessoais por trás do consumo desse tipo de conteúdo.

Como se sentiriam os diretamente afetados pela história? Por trás de cada episódio ou artigo de “True Crime”, existem vidas reais e traumas profundos. É fundamental abordar cada história com sensibilidade, ponderando sobre o impacto que a publicidade pode ter sobre as vítimas, suas famílias e todos os envolvidos. Para as famílias das vítimas, ouvir repetidamente sobre o crime pode ser uma lembrança angustiante e uma fonte contínua de sofrimento.

Há um chamado à ação após o consumo desse conteúdo? Narrativas bem construídas não apenas informam, mas também inspiram ações. Seja provocando debates sobre a reforma do sistema judiciário, incentivando os ouvintes a se engajarem em causas relacionadas ou simplesmente despertando uma conscientização mais profunda sobre certas questões, o “True Crime” tem o potencial de servir a um propósito maior. No entanto, é crucial que os ouvintes avaliem se a história está apenas explorando o sensacionalismo ou realmente contribuindo para um bem maior.

O universo do “True Crime” é vasto e multifacetado. Como consumidores, temos a responsabilidade de apoiar conteúdos éticos e bem fundamentados. Refletindo sobre as questões acima, podemos nos posicionar não só como ouvintes, mas também como defensores da justiça.

Para complementar essa reflexão sobre a ética no consumo de mídia e os limites entre entretenimento e realidade, recomendamos assistir ao episódio “Loch Henry”, de “Black Mirror” (Netflix). O segundo episódio da sexta temporada da série consegue ilustrar bem a problemática do tema e fornece uma visão crítica sobre o consumo de conteúdo na era digital. O vídeo a seguir, você pode conferir uma análise que explora as reviravoltas e reflexões apresentadas em “Loch Henry”.

Black Mirror 6x02 - Viva aos Deuses (ou não) | Loch Henry - AnáliseBlack Mirror 6×02 – Viva aos Deuses (ou não) | Loch Henry – Análise

Créditos: Imagem Destaque – Gorodenkoff/Shutterstock

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