Como as mudanças climáticas passam pelas nossas mesas e a carne vermelha

Como as mudanças climáticas passam pelas nossas mesas e a carne vermelha

Nos últimos anos, temos falado muito sobre a ascensão dos alimentos plant-based. Isso acontece porque as mudanças climáticas possuem uma correlação direta com a nossa alimentação. Para limitar os impactos ambientais, enquanto alimentamos uma população mundial em expansão, precisamos tornar mais limpas e eficientes todas as etapas do sistema alimentar, da agricultura até a refrigeração.

O grande desafio talvez esteja em mudar hábitos que estão entrelaçados com culturas locais. Por exemplo, falar que é necessário diminuir o consumo de carne vermelha para um indiano talvez não faça tanto sentido, já que no país as vacas são sagradas e grande parte da população não consome este tipo de carne. Já para um membro dos Iñupiaq, povo nativo do Alasca, discutir formas de refrigeração “mais verdes” talvez também não faça sentido.

As preocupações com o impacto do consumo de carne e laticínios no clima e no meio ambiente não são novas. Mas na última década, junto com outras agendas, este tema tem entrado em foco e gerado novas discussões. Um artigo publicado em 2007 pela revista The Lancet, afirmou que as emissões da carne “garantem o mesmo volume que as de dirigir e voar”. Já em 2009, o economista britânico Lord Stern sugeriu que comer carne acabaria se tornando tão inaceitável quanto “dirigir embriagado”. Mas, afinal, o que precisamos para criar uma dieta “amiga do clima”?

Primeiramente precisamos levar em conta quais os fatores que transformam uma dieta normal em uma “amiga do clima”. A principal delas é a importância de manter no mínimo os produtos de origem animal – principalmente carne vermelha e laticínios. Outros elementos de dietas favoráveis ​​ao clima são grãos, tubérculos, frutas e vegetais minimamente processados, de preferência variedades que são menos propensas a estragar e não dependem de transporte intensivo, como aviões.

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Você deve estar achando que sou vegetariano ou, até mesmo, vegano, para falar que precisamos consumir menos carne vermelha e que as mudanças climáticas são afetadas pelo consumo deste tipo de alimentação. Mas estou longe de ser. Consumo carne vermelha a minha vida inteira e não sei se conseguiria abdicar completamente dela na minha alimentação, mas entendo os impactos e tenho diminuído nos últimos anos. Não só por uma questão de saúde, mas por entender que também é uma tarefa individual começar a mudança.

E, pelo visto, eu não tenho feito isso sozinho. Reconhecido por ter o maior rebanho de bovinos do mundo, com mais de 214 milhões de cabeças de gado – mais do que a própria população brasileira – o Brasil tem visto o seu consumo interno de carne encolher nos últimos três anos. Após aumentar para quase 34 quilos por habitante entre 2018 e 2019, o consumo per capita nacional em 2021 foi o menor em 25 anos. Segundo dados da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), o consumo chegou a 26,5 quilos por habitante, um recuo de quase 40% na comparação com 2006, quando houve um pico de 42,8 quilos por habitante. 

Mas, é claro, a redução do consumo no Brasil não está ligada apenas a uma questão de preocupação com o meio ambiente e, por aqui, o preço da carne obrigou o brasileiro adotar outras proteínas e alternativas para o arroz-feijão-e-bife. Segundo uma análise realizada pela Chatham House, pouco antes do Acordo de Paris, foi identificado que no Brasil, China, Reino Unido e EUA, o entendimento público da ligação entre dieta e mudança climática era algo “muito baixo”.

A mudança na alimentação tem sido encabeçada pelas nações com alta renda, especialmente na Europa. Segundo um relatório da USDA, o departamento de agricultura do governo dos EUA, a “vegalution” (revolução vegana) tem a Alemanha como principal fator de mudança. O crescimento de restaurantes vegetarianos e alternativas à base de plantas parece ser acompanhado pela ânsia do público, com 63% dos alemães, 51% dos canadenses e 50% dos britânicos tentando ou dispostos a reduzir o consumo de carne, de acordo com várias pesquisas. No entanto, os altos níveis de consumo de carne em países como Espanha e Áustria são atribuídos, em parte, à pecuária subsidiada, que acaba resultando em produtos baratos.

Outro fator na mudança alimentar está atribuído aos jovens. O mercado global de “carne alternativa” chegou a US$ 14 bilhões em 2019, de acordo com pesquisa do banco britânico Barclays, reforçado pelo interesse particular entre os jovens por opções sem laticínios e sem carne.

Como falei no início do texto, a alimentação é algo muito cultural e que reflete diretamente a população de uma determinada região. O caminho para a mudança de hábitos alimentares talvez seja mais longo em alguns países, do que em outros. Isso não quer dizer que devemos desistir. Voltando ao Brasil, um artigo publicado em 2017 traz uma curiosidade sobre a questão cultural do brasileiro e a sua alimentação. Segundo o estudo, analisando a cobertura climática dos jornais brasileiros até 2010, foi identificado que as mudanças climáticas foram enquadradas como um problema energético, embora a energia tenha sido uma pequena parte das emissões do país, em comparação com as emissões do uso da terra e da agricultura. O artigo completa, “embora a produção de carne seja a maior causa isolada de emissões nacionais, as discussões sobre a carne como um problema no contexto das mudanças climáticas foram marginais, na melhor das hipóteses.” Ou seja, tudo indica que as mudanças climáticas passam pela alimentação, mas também pela educação.

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