Intraempreendedorismo social: como empresas podem incorporar o impacto socioambiental em seus negócios?

Intraempreendedorismo social: como empresas podem incorporar o impacto socioambiental em seus negócios?

Por Gabriel Cardoso, gerente-executivo do Instituto Sabin

Somos uma nação desconfiada. Desconfiamos de tudo e de todos, em primeiro lugar. Historicamente esse padrão é até justificável, mesmo não sendo saudável. Confiança e credibilidade são valores essenciais na construção e na manutenção de relacionamentos fortes e duradouros entre pessoas e entre instituições – empresas, governos, ONGs e mídia – com seus stakeholders.

Sobre a temática, a pesquisa Edelman Trust Barometer é uma das maiores referências no Brasil e no mundo.

Na edição 2022, chamou à atenção a percepção geral de que empresas e ONGs são as únicas instituições vistas como confiáveis, competentes e éticas no Brasil. Isso posto, os brasileiros têm cada vez mais esperado que empresas sejam proativas no enfrentamento de desafios socioambientais, ao assumir corresponsabilidade pelos problemas das regiões que atuam.

Mesmo assim, ainda segundo a pesquisa, as empresas ainda não estariam fazendo o suficiente em relação à desigualdade econômica (61%), às mudanças climáticas (60%), ao acesso à saúde (56%), à requalificação profissional (57%) e às injustiças sistêmicas (50%).

Talvez um dos grandes insights que a pesquisa nos provoca é que os cidadãos têm cada vez mais assumido que os governos não são mais capazes de solucionar os problemas da sociedade sozinhos e que as empresas têm que assumir o papel de liderança, coordenando esforços interinstitucionais nesse caminho.

Eu acredito que os problemas são de responsabilidade dos governos, da sociedade civil, da academia e das empresas, e devem ser enfrentados com ações exclusivas ou colaborativas entre esses atores. Porém, para a maioria das pessoas, a expectativa é que as empresas assumam cada vez mais o protagonismo pelas questões socioambientais de suas comunidades. E com o aumento da confiança também vem o aumento da responsabilidade, diria a minha saudosa avó.

Buscando cumprir a responsabilidade esperada pelas pessoas que a cada dia se amplia e se consolida, como as empresas vão se posicionar para enfrentar os desafios socioambientais das regiões que estão?

Além das práticas de ESG, das políticas de responsabilidade social, dos programas de voluntariado corporativo e da atuação de seus institutos e fundações, as empresas privadas passariam a ter que incorporar o impacto socioambiental positivo no core do seu negócio. Em tese, não seria mais um efeito colateral ou uma iniciativa complementar, mas um elemento essencial na forma como se posiciona, atua e modela seus negócios.

A evolução na forma como clientes, colaboradores e outros stakeholders escolhem e abandonam marcas tem mostrado um movimento que coaduna com o dito. E para que as empresas se adequem rápida e eficazmente, será necessário algo além da decisão política de acionistas, empresários, líderes e conselheiros. Empresas precisam desenvolver e estimular em sua cultura a abertura e o incentivo ao intraempreendedorismo social.

O intraempreendedor social é apaixonado pelo que faz. Essa pessoa pensa e age como um empreendedora, mas trabalhando dentro de uma empresa que já existe. Atua internamente em um negócio ao desenvolver e entregar uma solução inovadora, sustentável e lucrativa para um desafio social e/ou ambiental. Para que uma cultura corporativa seja propícia a atividade socialmente intraempreendedora, essas pessoas devem estar presentes em diversas posições, seja em conselhos, diretorias, gerências, lideranças intermediárias e dentro da força de trabalho principal.

Um exemplo de intraempreendedorismo social na América Latina ocorreu na Cemex, uma empresa mexicana de produção e venda de cimento, concreto e agregados. Ao perceber a ampla falta de acesso à moradia digna em áreas de baixa renda, intraempreendedores/as da empresa desenvolveram uma solução inovadora, sustentável e criativa para o problema social: o programa “Patrimonio Hoy” oferece materiais de construção e serviços financeiros acessíveis para que famílias de baixa renda construam ou reformem suas casas. Os desafios encontrados na jornada intraempreendedora incluíram a adaptação dos serviços e produtos tradicionais da empresa para atender às necessidades específicas das comunidades de baixa renda e a capacitação dos funcionários para lidar com um novo perfil de cliente. A recompensa para a empresa foi a criação de uma nova fonte de receita, a consolidação de sua imagem como empresa socialmente responsável e, certamente, o aumento da confiança em suas atividades.

Para que empresas possam desenvolver uma cultura de confiança e incentivar o intraempreendedorismo social, é preciso que haja um comprometimento real dos líderes e gestores em relação a essas práticas. Além disso, é necessário que haja investimentos em capacitação e formação de colaboradores para que possam atuar como intraempreendedores e desenvolver soluções inovadoras e sustentáveis para os desafios socioambientais de suas comunidades.

Outro ponto importante é a criação de um ambiente de trabalho que estimule e valorize a atividade socialmente intraempreendedora. Isso pode ser feito por meio da implementação de programas de reconhecimento e incentivo aos colaboradores que desenvolvem projetos inovadores e de impacto social; do estabelecimento de metas e indicadores relacionados ao impacto socioambiental positivo das empresas; e da criação de espaços de diálogo e colaboração entre os diversos setores da empresa.

Por fim, é importante destacar que o intraempreendedorismo social não é uma atividade exclusiva das grandes corporações. Pequenas e médias empresas também podem desenvolver soluções inovadoras e sustentáveis para os desafios socioambientais de suas microrregiões, contribuindo para o desenvolvimento sustentável e para a construção de uma sociedade com melhores índices socioambientais.

Voltando a falar de confiança, lembro que o principal aprendizado que tive quando estudei na Finlândia foi vivenciando a cultura da confiança daquele país. Cidadãos confiam no governo, que confia em cidadãos. Vizinhos confiam em vizinhos. Pais em professores, professores em alunos e estes em professores e pais. As empresas confiam em seus funcionários, que confiam em seus clientes e, estes, claro, nas empresas. Confiar é a reação automática nas relações pessoais e comunitárias dos finlandeses. Intrigado com essa diferença cultural entre eles e nós, perguntei a um dos professores quais seriam as bases daquele padrão cultural.

Dentre algumas questões históricas e sociais na sua resposta, ele disse que se tratava de uma questão pragmática. O gasto cognitivo para desconfiar é elevado. Assim, economizando o esforço da desconfiança, o finlandês pode usar essa energia cognitiva e emocional em outras atividades mais nobres, como a aprendizagem e a criatividade.

Criatividade, aliás, uma das principais competências do intraempreendedor social.


Gabriel Cardoso é um profissional transdisciplinar com abordagem empreendedora e apaixonado por futuros. É formado em administração, com mestrado em educação e é MBA em economia brasileira para gestão de negócios, além de educador do século 21 pela Universidade de Ciências Aplicadas de Tampere, Finlândia. Hoje é gerente-executivo do Instituto Sabin, organização responsável pelo investimento social privado do Grupo Sabin.  Autor e organizador de livros sobre empreendedorismo social e educação empreendedora é também especialista em ESG, negócios e investimentos de impacto, inovação social, investimento social privado, sustentabilidade, empreendedorismo social e educação empreendedora.

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