“Que história é essa de impacto?”, por Gabriel Cardoso

“Que história é essa de impacto?”, por Gabriel Cardoso

Ponto de partida

A confusão começa cedo, mas vamos esclarecer. O sentido da palavra impacto tende a variar de contexto para contexto. Se você é da área ambiental ou recebe uma notícia sobre “impacto” no meio ambiente, a conotação automática da palavra é negativa. No campo das finanças, a mesma coisa: se algo impactar o orçamento, a interpretação é de que prejudicou. Na física, a mesma coisa: o impacto, por norma, machuca, quebra, atordoa. Já no campo socioambiental, vejam vocês, quando falamos de impacto, falamos de algo positivo!

Segundo um dos líderes do movimento internacional de investimentos de impacto, Sir Ronald Cohen, impacto é o potencial de uma ação para melhorar vidas e planeta. Em outras palavras: são as consequências positivas, intencionais ou não, das ações de pessoas e organizações. O conceito pode ser claro para quem está atuando nesse campo, mas talvez seja confuso para quem é de fora ou chega agora. Vamos esclarecer?

Se você está aterrizando no campo de impacto socioambiental agora, seja bem-vindo(a)! Apresentaremos alguns dos principais pontos e conceitos neste texto.

O que gera impacto?

Quando você começa a ter contato com a temática de impacto, provavelmente descobrirá haver uma automática referência aos negócios de impacto em detrimentos de iniciativas de impacto, em sentido amplo.

Aqui no Instituto Sabin, por exemplo, nós entendemos as organizações de impacto na totalidade. São todas aquelas capazes de gerar algum resultado positivo no enfrentamento de problemas sociais, ou seja: organizações que tenham no seu cerne o propósito social.

Problemas sociais são situações alarmantes que causam sofrimento humano, geralmente vinculadas a alguma falta, excesso ou risco na vida de um grupo de pessoas. Se falta comida, há um problema social. Se há excesso de doenças em virtude da qualidade do ar, há um problema social. Se uma comunidade arrisca perder suas moradias por chuvas torrenciais, há um problema social.

Assim, além das políticas públicas, pessoas se reúnem em diversos formatos organizacionais para enfrentar problemas sociais, buscando impacto social. A organização, portanto, é um meio, e não um fim. Se sua organização conseguiu diminuir ou eliminar a falta, o excesso ou o risco na vida de um grupo de pessoas, ela gerou impacto social. Se isso é feito de uma nova forma, melhor do que as anteriores, tem-se aí uma inovação social.

Mas voltando ao início, você perceberá que quando alguém do campo de impacto social no Brasil se refere a organizações de impacto, geralmente estará se referindo a um tipo específico: os negócios de impacto.

Negócios de impacto

Quando comecei a pesquisar essa categoria de organização, ainda chamávamos aqui no Brasil de negócios sociais. Gradualmente, o termo negócios de impacto foi se popularizando e hoje é o mais corriqueiro. Em alguns momentos, porém, você continuará a ouvir o termo negócios sociais, o que, na prática, é quase a mesma coisa. Há uma ampla reflexão conceitual na academia sobre os diferentes termos e finalidades, mas este não é o propósito deste texto.

Vale a pena te apresentar a definição mais difundida atualmente no Brasil, sugerida pela Aliança pelo Impacto:

Os negócios de impacto são empreendimentos que têm a intenção clara de endereçar um problema socioambiental por meio de sua atividade principal (seja seu produto, serviço e/ou sua forma de operação). Atuam conforme a lógica de mercado, com um modelo de negócio que busca retornos financeiros, e se comprometem a medir o impacto social que geram.

Segundo o entendimento principal no Brasil, para ser um negócio de impacto, uma organização deve cumprir quatro critérios, chamados filtros mínimos: (I) tem intencionalidade no enfrentamento de um problema socioambiental; (II) a solução de impacto é a atividade principal do negócio; (III) busca retorno financeiro, operando pela lógica de mercado; e (IV) tem compromisso com o monitoramento de impacto gerado.

Existe alguma confusão quanto ao negócio ser ou não de impacto a partir de algumas características que ele tenha, tais como: setor de atuação, porte, perfil do empreendedor e perfil do cliente/beneficiário. Todavia, tais elementos não são capazes de, isoladamente, definirem um negócio de impacto.

Atuar na educação, saúde, habitação ou outros setores não, necessariamente, define um negócio assim e, também o contrário, atuar com insumos agrícolas não exclui, definitivamente, a possibilidade de ser de impacto. Assim como o tamanho: ser pequeno, médio ou grande não define, e nem exclui, a possibilidade de ser um negócio de impacto.

O perfil do empreendedor também. Nem todo empreendedor de regiões periféricas, rurais ou vulneráveis lideram negócios de impacto. Da mesma forma, ter clientes nessas áreas não caracterizaria, necessariamente, os negócios como de impacto.

Finalmente, o formato legal não define e nem exclui a possibilidade de um negócio ser de impacto. Há negócios de impacto estruturados juridicamente como pequenas e médias empresas, cooperativas e até mesmo como organizações da sociedade civil.

Ecossistemas de impacto

Há muito tempo, biólogos descobriram que estudar organismos vivos isoladamente era algo limitante e que, em vez disso, poderiam ter uma compreensão muito mais profunda ao considerar também as relações complexas que existem entre os organismos e seus ambientes. Assim surgiu o estudo de ecossistemas. Da mesma maneira, usamos alguns conhecimentos da ecologia — em especial, a ideia e a estrutura dos ecossistemas — para gerar impacto significativo em sistemas sociais.

As sociedades humanas podem ser pensadas como ecossistemas da natureza, compostas por diferentes atores e condições ambientais que se influenciam mutuamente. Logo, no campo de impacto, optou-se por também atuar com uma perspectiva ecossistêmica, onde os atores vistos isoladamente não têm a mesma importância que teriam atuando de forma conjunta, articulada e em interação com o ambiente que estão.

Um ecossistema de impacto terá diversos atores, além das organizações de impacto. Elas estão no seu topo e em contato direto com o problema social. Do outro lado estão os investidores e entre eles e os negócios estão as organizações intermediárias — ou dinamizadoras.

As organizações dinamizadoras atuam de diversas maneiras. Podem apoiar empreendedores e investidores em sua jornada na busca do impacto; disseminar conceitos, informações e recomendações para formar, engajar e articular mais empreendedores e investidores; contribuir para a construção de um macroambiente normativo e cultural favorável para a atuação de empreendedores e investidores de impacto, dentre outras maneiras. Exemplos de dinamizadoras são as universidades, plataformas de financiamento/empréstimo coletivo, aceleradoras, mídia, rede de mentores, institutos e fundações etc.

No ecossistema também estão os investidores de impacto, responsáveis por prover recursos — privados, públicos e mistos; estruturados por instrumentos financeiros — para organizações, negócios e fundos comprometidos em gerar impacto social positivo. Podem ser investidores as pessoas físicas, agências de desenvolvimento, institutos, fundações, governos, corporações etc.

Aqui podemos recorrer, mais uma vez, à proposta de ecossistema de impacto da Aliança:

Investimentos que impactam

Na organização do ecossistema, posicionando-se um pouco mais distante do problema social, mas com papel fundamental para a viabilização das organizações de impacto, estão os investimentos que geram impacto social. Tais investimentos direcionam recursos financeiros (públicos, privados ou mistos) para que organizações consigam enfrentar os problemas.

Cabe destacar que essa modalidade de investimento tem crescido nos últimos anos por diversas razões, por exemplo: o perfil das novas gerações, mais preocupadas com questões ambientais e sociais; a busca por alinhamento de propósito às decisões de investidores que querem deixar algum legado além da herança; e uma melhoria incremental na legislação que favorece tal investimento.

Uma comunidade latino-americana que reúne organizações que buscam ampliar seu impacto social e ambiental coletivamente — a Latimpacto — organiza os investimentos de três formas: PARA impacto, COM impacto e sustentável. O primeiro investe em organizações com propósito social e têm o impacto como prioridade, em relação ao retorno financeiro. O segundo tipo de investimento, equilibra retorno financeiro com impacto em organizações tradicionais que geram impacto social intencionalmente. Por fim, o investimento responsável tem foco no retorno financeiro, mas escolhe ativos com preocupações sustentáveis, ou seja, que atuam conforme as normas ESG.

Para alcançar seus fins, os investimentos para impacto e com impacto são normalmente customizados, visando a modelos que se adequem às necessidades dos negócios de impacto socioambiental. Isso pode ocorrer por uma combinação de capital filantrópico (grants), mútuos com taxas de juros diferenciados e/ ou sem a exigência de garantias pessoais (soft loans), garantias para acesso a crédito, seguros, assunção de risco de primeira perda (first loss), dentre outros instrumentos (finanças customizadas ou “taylored finance”);

Relembro, por fim, que paralelamente a essa movimentação está o apoio não financeiro a negócios de impacto, oferecidos pelos dinamizadores do ecossistema e, muitas vezes, também pelos investidores. Nessa categoria se encaixam capitais intelectuais, em especial o provimento de conteúdos organizacionais, tais como: aceleração, incubação, mentoria, treinamento, acesso a networking, sistemas e apoio em temas relevantes (assistência técnica/capacitação).

No Brasil

Muitos institutos, fundações, universidades, consultorias e serviços de apoio estão atuando parcial ou exclusivamente com a temática de impacto, mas cabe destacar o papel de duas delas para você explorar um pouco mais esse fascinante campo.

A Estratégia Nacional de Investimentos e Negócios de Impacto (Enimpacto) é uma articulação de órgãos e entidades da administração pública federal, do setor privado e da sociedade civil, cujo objetivo é promover um ambiente favorável ao desenvolvimento de investimentos e negócios de impacto. Em quase quatro anos de atuação, a estratégia já entrega resultados nos seus quatro principais eixos de atuação: (a) ampliar a oferta de capital para os negócios de impacto; (b) aumentar a quantidade de negócios de impacto; (c) fortalecer as organizações intermediárias; (d) promover e um ambiente institucional e normativo favorável a investimentos e negócios de impacto.

Vale mencionar ainda a atuação da Aliança pelos Investimentos e Negócios de Impacto (Aliança pelo Impacto), iniciativa criada em 2014. Seu objetivo é apoiar o fortalecimento de um ecossistema para a agenda de investimento e negócios de impacto no Brasil, principalmente por duas frentes: (1) produção e disseminação de conteúdos; e (2) articulação com atores estratégicos. Há muito conteúdo no portal da Aliança, que até aqui já lançou mais de 20 publicações e 15 recomendações, envolvendo quase 80 organizações no processo de coconstrução.

Aprenda mais

Quer se aprofundar no assunto? Além das referências já citadas no texto, vale a pena explorar dois materiais gratuitos muito ricos:

Espero que este papo introdutório possa te ajudar na sua jornada de impacto social no Brasil. Precisamos, mais do que nunca, de novos atores para enriquecer e fortalecer o ecossistema de modo a enfrentar os problemas sociais e ambientais que assolam cada uma das regiões de nosso país.

Gabriel Cardoso é autor, palestrante e gerente executivo do Instituto Sabin.

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