Biomimética e futuro: Quando a Natureza redesenha o pensamento

Biomimética e futuro: Quando a Natureza redesenha o pensamento

  • • A biomimética abre espaço para uma criatividade que não depende de fórmulas prontas.
  • • Fenômenos naturais revelam caminhos para resolver tensões e decisões que travam dentro das organizações.
  • • Os biomas brasileiros e seus saberes ancestrais mostram um futuro possível baseado em ciclos, diversidade e regeneração.

No episódio #148 do podcast do InovaSocial, conversamos com Carol Freitas e Daniel Mira, cofundadores da NOUS, para uma troca sobre como a natureza pode orientar processos de criação, estratégia e impacto. Pelas reflexões compartilhadas, surge um panorama que coloca a biomimética como uma chave para reimaginar a forma como trabalhamos, decidimos e nos relacionamos com o mundo.

Antes de entrar nos exemplos práticos, vale entender o que está em jogo quando falamos em aprender com a natureza. Em vez de tratar ecossistemas apenas como cenário, a biomimética convida a enxergá-los como sistemas de inteligência em funcionamento, cheios de pistas sobre equilíbrio, adaptação e cooperação.

Ao longo desta reflexão, três fios se destacam: a crítica às metodologias criativas engessadas, a necessidade de reconexão com o ambiente natural e o papel do Brasil como potência socioambiental ainda em construção.

Criatividade além das fórmulas: o resgate do olhar sensível

Boa parte das metodologias criativas contemporâneas atua como trilhas padronizadas: eficientes, rápidas, mas limitadas. A discussão evidencia que essa lógica vem estreitando a imaginação, transformando o ato criativo em um processo de rearranjo do que já existe (moodboards, referências repetidas, caminhos previsíveis). É como se o pensamento tivesse sido colonizado pela lógica imediatista, que só reconhece o que já conhece.

A biomimética entra como contraponto ao propor uma mudança de postura. Em vez de buscar respostas prontas, ela convida a observar fenômenos naturais para compreender princípios – equilíbrio energético, resiliência, adaptação, ciclos de vida, distribuição, simbiose. Durante o episódio, um caso ajuda a visualizar essa mudança: uma empresa enfrentava um impasse entre grupos que defendiam estratégias opostas. Para abrir uma nova perspectiva, foram apresentados dois modelos biológicos:

  • uma célula, que se fortalece ao criar um ambiente organizado e protegido, concentrando energia;
  • um fungo, que cresce expandindo-se conforme encontra nutrientes, de forma descentralizada e plástica.

Ao comparar esses funcionamentos, os participantes perceberam que estavam atuando como o fungo, espalhados, reativos e sem um núcleo claro. Essa identificação desarmou o conflito e permitiu que o grupo chegasse a uma decisão estratégica antes impossível. É aqui que a natureza revela seu poder: ela não entrega respostas, mas amplia a percepção. Ela devolve nuance, dissolve tensões e reintroduz o sensível como parte legítima do pensamento estratégico.

A conversa também traz uma crítica à ideia de inovação baseada apenas na lógica. Para Daniel, a lógica opera no passado e no presente, organizando aquilo que já existe. Inovar exige sensibilidade, imaginação e abertura para o que ainda não foi percebido. E a natureza, por viver em constante estado de “autopoiese”, conceito de Maturana e Varela sobre sistemas vivos que se regeneram continuamente, é uma referência central desse movimento.

Reconexão com o natural: conhecimento que deixamos adormecer

Outra camada importante discutida no episódio é o distanciamento crescente entre pessoas e naturezas que habitam – especialmente nas cidades. Mesmo profissionais dedicados à sustentabilidade tendem a tratar o ambiente natural como um objeto externo, algo a ser estudado e gerenciado, e não como um sistema do qual fazem parte. Essa cisão empobrece nossa leitura do mundo.

Reconectar-se exige reaprender a observar. Uma árvore, por exemplo, não é apenas parte da paisagem: é um organismo cheio de relações e funções, que ensina sobre resiliência, mutualismo, economia de energia. Essa postura mais curiosa e presente abre espaço para decisões menos mecanizadas e mais alinhadas a ciclos que sustentam a vida.

Brasil: potência socioambiental que ainda precisa se reconhecer

O diálogo também ilumina uma urgência nacional. O Brasil abriga a maior biodiversidade do planeta, biomas de abundância única e culturas que carregam conhecimento ancestral sobre manejo, ciclos e regeneração. Ainda assim, o país continua operando sob modelos que valorizam monoculturas, consumo linear e visão fragmentada do território.

Olhar para dentro é fundamental. O Cerrado reúne uma abundância de espécies alimentícias e medicinais, com mais de uma centena de frutos nativos comestíveis e um grande repertório de plantas de uso tradicional e fitoterápico, o que revela a potência desse bioma para inspirar economias mais diversas e regenerativas. A Caatinga, por sua vez, é uma das regiões semiáridas e das florestas tropicais secas mais biodiversas do mundo, com alto grau de endemismo e estratégias adaptativas únicas.

Somados aos saberes de comunidades que leem a terra e o céu com precisão, esses biomas apontam caminhos possíveis para uma economia alinhada aos ciclos naturais. Implementar essa mudança passa por humildade, escuta e capacidade de romper com padrões herdados que nos afastaram da nossa própria identidade socioambiental.

Para aprofundar essas reflexões sobre criatividade regenerativa, biomimética e novos modos de imaginar o futuro, o episódio #148 do nosso podcast está disponível a seguir.


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