Matcha: da tradição à “ameaça de extinção”? Uma viagem da tigela de chá às redes sociais

Matcha: da tradição à “ameaça de extinção”? Uma viagem da tigela de chá às redes sociais
O que você vai descobrir a seguir:
  • Como o matcha saiu dos mosteiros zen e ganhou o mundo.
  • O que torna o matcha único e por que isso limita a oferta.
  • Por que a “onda verde” global pressiona colheitas no Japão e muda a geografia do matcha.

Se você nunca provou matcha, é bem possível que já tenha visto a sua cor inconfundível rolando no Instagram ou no cardápio de alguma cafeteria: um verde intenso que parece quase artificial, mas vem direto da natureza. Para muitos, ele é só um “latte fotogênico”. Para outros, é o combustível matinal que substitui o café. O que poucos sabem é que, por trás desse pó, há uma história que atravessa séculos, envolve monges zen, cerimônias filosóficas e, agora, uma corrida global que ameaça a própria continuidade dessa tradição.

Diferente dos chás de saquinho que mergulhamos na água quente, o matcha é feito das folhas inteiras do chá, que passam por um processo cuidadoso até se transformarem em um pó verde finíssimo. Isso significa que, em vez de beber apenas a infusão, você consome a planta toda. Essa forma de preparo, que hoje aparece como um diferencial saudável, nasceu há séculos, quando monges criaram o hábito de bater o pó em tigelas, transformando a bebida em prática espiritual e também em ritual de concentração.

Com o tempo, essa preparação simples se desdobrou em algo maior: a cerimônia do chá japonesa, conhecida como chanoyu ou sadō. Esses encontros não eram apenas sobre servir uma bebida, mas sobre criar uma experiência estética e filosófica, marcada pela atenção plena, pelo silêncio e pela busca da harmonia. A tigela, o batedor de bambu, a disposição dos utensílios, tudo tinha significado. O matcha, nesse contexto, deixou de ser apenas uma fonte de energia para se tornar um símbolo de hospitalidade, contemplação e beleza na imperfeição – valores que atravessaram séculos até chegar às nossas cafeterias contemporâneas.

Como o matcha é feito

O matcha nasce de um tipo específico de folha de chá chamada tencha. O cultivo é diferente do usado para outros chás: algumas semanas antes da colheita, as plantas são cobertas para receber menos luz solar. Essa sombra faz com que as folhas acumulem mais clorofila e aminoácidos, ganhando cor verde intensa e um sabor mais adocicado e cheio de umami.

Na primavera, as folhas mais jovens são colhidas, rapidamente vaporizadas para não oxidar, e depois passam por uma triagem minuciosa que remove caules e veios. O que sobra é então moído em mós de pedra até virar o pó finíssimo que conhecemos como matcha. Esse processo lento e artesanal explica por que o matcha de qualidade é tão limitado e valorizado.

Da tradição à tendência

A virada ocidental começou de mansinho no começo dos anos 2000, quando as cafeterias passaram a oferecer “green tea lattes”. As grandes redes amplificaram a tendência e a cultura de wellness abraçou a promessa antioxidante e a energia “mais suave” do chá. A estética fez o resto: o verde fotogênico encontrou sua arena natural em posts no Instagram e no TikTok. De nicho cerimonial, o matcha virou linguagem global e hoje está presente em drinks, sobremesas, cosméticos.

Esse apetite, porém, tem consequências. O matcha premium não se produz ao toque de um botão: depende de sombra, clima ameno, folhas jovens de primavera, mão de obra especializada. É por isso que, quando o clima falha, a cadeia inteira sente.

Em 2024–2025, ondas de calor atingiram regiões-chave como Kyoto/Uji e derrubaram o rendimento do tencha. Mesmo com mais agricultores migrando para o cultivo sombreado, a expectativa é de safra menor. O resultado é disputa por matéria-prima, gargalo de moagem e pressão por qualidade – algo que não se escala de um ano para o outro.

A “ameaça de extinção” é real?

Extinção, não. Pressão real, sim. Nos últimos meses, reportagens apontam estoques apertados, leilões com preços recordes no Japão e uma demanda que não dá trégua, impulsionada pela cultura visual e pelo desejo por alternativas ao café. Para fechar a conta, a geografia do matcha também se rearranja: além do Japão, a China voltou a ganhar protagonismo (qualidade em ascensão), e grandes marcas admitem compras em múltiplas origens.

O que está em jogo é a sustentabilidade cultural e agrícola de um produto que carrega história em cada grama. Preservar o sabor e a simbologia do matcha (e até as belas fotos nas redes sociais) depende de lidar com desafios climáticos, sucessão no campo e transparência de origem. A boa notícia é que tradição e inovação já dialogam: há quem invista em sombreamento mais eficiente, manejo térmico e moinhos de precisão, para que a experiência na tigela continue autêntica, sem virar apenas um filtro verde.

No fim das contas, o verdadeiro dilema não é se o matcha vai desaparecer. Ele certamente continuará presente nos cardápios do mundo. A pergunta que fica é: conseguiremos preservar sua essência cultural enquanto ele se espalha em escala global?

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