Categories Inova+Posted on 04/04/202204/04/2022Os impactos sociais ao tentarmos prever nossa morte O que você faria se soubesse quanto tempo tem de vida? Não estou falando em doença terminal; estou falando de você, saudável, pudesse prever a data da sua morte. Esta é uma resposta que tem implicações espirituais e sociais (e, é claro, este texto vai focar no segundo aspecto). Aliás, falar sobre a morte é, em muitas vezes na nossa sociedade moderna, um tabu. Enquanto as sociedades antigas viam a morte como uma etapa da vida, nós — em grande parte, independente da religião — preferimos colocar este momento doloroso “debaixo do tapete”. A morte é aquela que não deve ser nomeada. Falar sobre ela parece trazer mau agouro. Mas não para a ciência… Em junho de 2021, os cientistas da deCODE Genetics, subsidiária da bio-farmacêutica Amgen, anunciaram ter descoberto um preditor baseado em medições de proteínas em amostras de sangue. Segundo o comunicado da empresa, “usando um conjunto de dados de aproximadamente 5.000 medições de proteínas em 22.913 islandeses, dos quais 7.061 morreram durante o período do estudo, os cientistas desenvolveram um preditor da morte que pode superar os preditores com base em vários fatores de risco conhecidos. O preditor pode identificar os 5% de maior risco em um grupo de 60-80 anos, onde 88% morreram em dez anos e os 5% de menor risco, onde apenas 1% morreu em dez anos.” Leia também: Movimento da Morte Positiva: É possível inovar até quando o assunto é a morte? O resultado do estudo não quer dizer que você vai ganhar um medidor de tempo como no filme “O Preço do Amanhã” ou tantos outros que já exploraram o tema. Mas serviria como um medidor, mais próximo da realidade, para expectativa de vida. Isso tudo com uma simples coleta de sangue. “O preditor fornece uma boa estimativa da saúde geral a partir de uma única coleta de sangue”, diz Thjodbjorg Eiriksdottir cientista da deCODE Genetics e autor do artigo, escrito em conjunto com a pesquisadora Kari Stefansson. “Isso é muito legal, mas também assustador e, esperançosamente, útil”, diz Kari Stefansson. “Isso mostra que nossa saúde geral se reflete no proteoma do plasma. Usando apenas uma amostra de sangue por pessoa, você pode, por exemplo, facilmente comparar grandes grupos de maneira padronizada para estimar os efeitos do tratamento em ensaios clínicos.” É claro que o estudo ainda é muito preliminar, mas é um ponto de partida. Além disso, existe uma série de discussões em torno da ética e de como a sociedade se relacionaria com este tipo de “previsão”. E é neste ponto em que entramos nos impactos sociais de uma inovação que envolve a morte. O objetivo de usar a análise de proteínas como preditor para o fim da vida é o conceito interessante, desde que… haja proteínas para serem analisadas. Como dizem os autores do projeto, é possível comparar grandes grupos, mas para isso, é necessário que as pessoas estejam dispostas a doarem o seu sangue para análise. Este ponto vai além da ciência e podem ser impactados por valores, religiões e predisposição das pessoas. Quem trabalha com pesquisa sabe que não é tão fácil encontrar doadores ou participantes para pesquisas. Outra questão que se levanta com este tipo de “previsão” é decidir quem “merece mais ou menos”. Se uma pessoa tem mais chances de viver do que outra, ela terá mais vantagens em filas de doação? Mais acesso a serviços de saúde? Quem define que aquela pessoa vive, ou é tratada como um paciente terminal? Qual o impacto disso em planos de saúde? Em propostas de saúde pública? São perguntas que talvez estejamos longe de chegar a uma resposta, mesmo que o estudo citado fosse algo definitivo. Alguns especialistas dizem que, com a evolução na ciência, nossa expectativa de vida dará saltos significativos nos próximos anos, fazendo com que tenhamos indivíduos que vivam mais de 100 anos tranquilamente. Aliás, alguns afirmam que esta pessoa já até nasceu. O problema é que expectativa de vida é algo diretamente relacionado com acessibilidade e renda. Segundo a BBC Brasil, um estudo publicado na revista Nature Medicine, mostra que “um homem em Bento Gonçalves, no Rio Grande do Sul, chega a viver, em média, quase 10 anos a mais do que um em Itabuna, na Bahia”. Ou seja, do que adianta indivíduos vivendo mais de 100 anos, se existe uma desigualdade nítida? São tantos fatores, que não dá nem para arriscar uma previsão futurista deste cenário (onde levamos em conta diversos fatores e desenhamos uma tendência). Além do mais, existe o fator humano. Vamos dizer que a expectativa de vida em uma determinada região seja de 60 anos. Qual a reação de uma pessoa com seus 50 anos? Ele deixaria sua carreira, para “aproveitar a vida”, sabendo que existem grandes chances de ter apenas mais 10 anos de vida? Ele seria mais recluso, gerando quadros de depressão; ou ele seria uma pessoa que “não tem nada a perder”, se transformando em uma bomba relógio para a sociedade. O que você faria se soubesse que só tem mais 10 anos de vida? Por fim, como o governo atuaria com este cenário onde existe uma “expectativa de vida certeira”? Seria um cenário utópico, onde regiões com baixa expectativa teriam ações visando reverter o quadro; ou seria um cenário distópico, onde aqueles que menos expectativa seriam segregados e limitados de opções como trabalhos dignos e serviços de saúde de qualidade? Como falei no início do texto, são respostas que têm implicações espirituais e sociais; pois envolvem seres humanos. Ao invés de pensarmos em como podemos prever a morte — algo que remota desde a nossa origem, onde oráculos tentavam prever observando as estrelas, a palma da mão e outros tantos métodos —; o ideal seria focar em estudos como o feito pela Universidade de Copenhagen, que demonstrou que uma proteína específica na superfície da célula poderia prever quem tem mais perigo de uma infecção grave causada pela Covid-19. Uma vez que esse biomarcador de proteína foi empregado, ele determinou quem ficaria gravemente doente com uma taxa de precisão de 78.7%, nos mostrando para onde devemos direcionar esforços. Em resumo, melhor tentarmos prever a vida, porque a morte nos cria mais perguntas, quando achamos que estamos perto de desvendá-la Imagem de Destaque: mamita/Shutterstock Compartilhe esse artigo: