COP 26: Quando vamos acordar para o planeta?

COP 26: Quando vamos acordar para o planeta?

A expressão “para inglês ver”, segundo a Secretaria da Educação de São Paulo, surgiu na primeira metade do século 19, quando a Inglaterra, por interesses econômicos, tentou abolir a escravidão no mundo. Em sua lista, estava o Brasil, que tinha nos escravos a base de sua economia. Para enganar a potência, o Império colocava navios no litoral com a suposta missão de ir atrás das naus negreiras. Entretanto, na prática, nada acontecia. Era uma encenação “para inglês ver”. A comitiva brasileira na Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas de 2021 (COP 26) parece as ações da época do Império.

Para o Brasil (e muitos outros países), o saldo da COP 26 tem sido um pacote de promessas que ninguém sabe ao certo como será alcançado ou executado. Passando rapidamente pelo quesito “política”, que não é o nosso foco no InovaSocial, a delegação brasileira em Glasgow, segundo o Ministério das Relações Exteriores, está “entre 80 a 100 pessoas”. Mas isso é só o governo federal, que parece não conversar com os governos estaduais e municipais, que enviaram governadores, prefeitos, senadores, deputados e, até mesmo, algumas primeiras-damas; totalizando 479 inscritos brasileiros e a maior delegação entre os países participantes. Além dos políticos, segundo o colunista do UOL Jamil Chade, outros brasileiros que também estão na COP 26 são lobistas, representantes da indústria e porta-vozes da agricultura nacional, todos em uma corrida para mostrar o “lado verde” do Brasil e que o nosso agro é pop.

As promessas do Brasil para o futuro do planeta

Até 2030, o Brasil se comprometeu a reduzir as emissões dos gases de efeito estufa em 50% (com base no inventário de 2005, na prática, o país apresentou o mesmo compromisso firmado em 2015 — fato criticado por alguns especialistas, visto que muitos países aumentaram a sua meta desde então) e do metano em 30%. Além disso, temos a promessa de zerar o desmatamento até o fim da década atual.

Apesar das críticas, o Brasil já tinha uma meta audaciosa em relação à redução dos gases de efeito estufa (em 2015, por exemplo, os EUA havia apresentado a meta de 26% e o Brasil tinha como foco os 43%). Possuímos uma matriz energética predominantemente renovável e um potencial enorme nos campos da energia eólica e solar. Fatores que ajudariam o país a ser uma referência no quesito ambiental.

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O Brasil ocupa o 4º lugar entre os maiores emissores de C02 mundial, segundo a think tank internacional Carbon Brief. Ficamos atrás apenas dos EUA, China e Rússia. Isso acontece porque, o estudo, que até 2019 só considerava as emissões de CO2 feitas por combustíveis fósseis, passou a considerar também o desmatamento florestal e outras mudanças no uso da terra, aumentando os índices de emissões do Brasil e refletindo um cenário que registrou uma forte alta desde 2019. Segundo dados do Inpe, analisados pelo Observatório do Clima, no primeiro ano do governo Bolsonaro, as emissões de gás carbônico alcançaram 1,38 milhões de toneladas — o maior volume registrado em 13 anos, desde 2006. Ou seja, deveríamos ser um exemplo ao mundo, mas, na verdade, temos um grande débito com o planeta (veja o vídeo abaixo).

Which countries are historically responsible for climate change?Which countries are historically responsible for climate change?

Ainda de acordo com a Carbon Brief e o estudo que revisou as emissões de CO2, “países com florestas tropicais como o Brasil e a Indonésia estão sendo desmatados desde o final do século 19 e início do século 20, por extrativistas de borracha, tabaco e outras culturas”, afirma o editor da Carbon Brief Simon Evans. “Mas o desmatamento começou ‘para valer’ por volta de 1950, no início de atividades como a extração de madeira e as plantações de óleo de palma.” Vale lembrar que, no Brasil, além das atividades descritas por Evans, ainda temos o garimpo. Fenômenos como Serra Pelada, por exemplo, são do início da década de 80 e, segundo o MapBiomas, de 1985 a 2020, a área minerada em todo o Brasil cresceu mais de 6 vezes. Somado a isso, temos o fato que a Amazônia concentra 94% dos garimpos do país. Em resumo, como vamos zerar o desmatamento até 2030 sem combater a atividade de garimpo? Isso é um mistério não só para você, leitor(a), mas para o mundo. É a resposta de um milhão de dólares… em barras de ouro.

“Não é segredo que a COP 26 é um fracasso.”

Chamada de histérica, pirralha e outros adjetivos pejorativos não impediram da jovem ativista sueca Greta Thunberg expor sua opinião sobre a COP 26. “Não é segredo que a COP26 é um fracasso. Não podemos resolver uma crise com os mesmos métodos que nos colocaram nela. (…) Muitos dizem que somos radicais demais. Radicais são eles [líderes de Estado e empresários], lutando para salvar seus sistemas”, concluiu Greta.

“Não precisamos de mais promessas”, disse a ativisita. ” (A COP) se transformou em um evento de relações públicas onde os líderes estão fazendo belos discursos e anunciando compromissos e metas extravagantes, enquanto por trás das cortinas os governos dos países do Hemisfério Norte ainda se recusam a tomar qualquer ação climática drástica”, afirmou a ativista. No Twitter, Greta já havia dito que a COP 26 é “a conferência mais excludente da história” e um “festival de greenwashing”.

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O protesto de Greta foi acompanhando por brasileiros do movimento negro, indígenas e outros ativistas. No mesmo dia (06), o Brasil foi escolhido como “Fóssil do Dia”, prêmio concedido por ativistas de forma irônica (uma vez por dia, durante as COP, desde 1999) para “países considerados como tendo feito o ‘melhor’ para bloquear o progresso nas negociações nos últimos dias de negociações”. Segundo o grupo, o Brasil levou seu sexto prêmio por “seu tratamento horrível e inaceitável aos povos indígenas”. Em 2019, o país levou o prêmio 3 vezes: por “culpar a sociedade civil pelas queimadas na Amazônia”; “legitimar a grilagem de terras e a anistia do desmatamento” e o prêmio de Fóssil Colossal, por “culpar ambientalistas pelas queimadas na Amazônia”.

Por fim, um dos poucos políticos que parece ter entendido o que Greta e outros tantos ativistas têm gritado para o mundo foi Simon Kofe, ministro das Relações Exteriores da ilha de Tuvalu, no Pacífico Sul. Ele foi filmado discursando com água até os joelhos para alertar sobre os problemas das mudanças climáticas. “A declaração se encaixa no cenário da COP 26 com as situações da vida real enfrentadas em Tuvalu, devido aos impactos das mudanças climáticas e da elevação do nível do mar”, afirmou o Ministério das Relações Exteriores em um comunicado.

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Tuvalu faz parte da Polinésia e é um país que, apesar da independência ter vindo em 1978, ainda tem a rainha Elizabeth II como chefe de estado. Com o aumento do nível dos mares, o país com cerca de 12 mil habitantes pode sumir até o fim desta década. “As ilhas do Pacífico estão desaparecendo — estamos literalmente afundando”, disse Seve Paeniu, ministro das Finanças de Tuvalu à Reuters durante a COP26.

Hoje é Tuvalu, uma ilha “sem grande importância no meio do Pacífico”, mas — se nada for feito e a COP continuar como um “festival de greenwashing”—, amanhã serão nossas cidades costeiras que irão sumir. Muito mais do que isso, serão mais de 200 milhões de refugiados do clima, um número bem maior do que os 12 mil tuvaluanos.

Imagem Destaque: Sakss/Shutterstock

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