Realismo e Negacionismo Climático: A batalha da década

Realismo e Negacionismo Climático: A batalha da década

Manipulada, tem o discurso ensaiado e é uma farsa. Para alguns, estes seriam adjetivos para a jovem sueca Greta Thunberg. Já para outros, os adjetivos se encaixam melhor para descrever a alemã Naomi Seibt. Você talvez ainda não conheça a jovem de 19 anos, mas ela já é considerada a antítese de Greta e tem ganhado cada vez mais voz entre o público que considera a mudança climática uma mentira, os negacionistas.


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Diferente da sueca, Naomi tem um discurso político mais orientado. Com um canal no YouTube desde maio de 2019, os vídeos de Seibt não são apenas sobre clima, mas também contém críticas ao feminismo e as políticas de imigração. Segundo o The Washington Post, em seu primeiro vídeo com legendas em inglês, ela nega que haja menos mulheres na política. Ainda segundo o texto, foi em um discurso no Eike, centro de estudos de Munique, ligado ao partido de extrema direita Alternativa para a Alemanha (AfD), onde a ativista conheceu os diretores do Heartland Institute, think tank de políticas públicas norte-americano conservador e libertário, com grande atenção do eleitorado do presidente Donald Trump.

Segundo o site The Guardian, em matéria de 2012, o Heartland Institute chega a gastar milhares de dólares para minar a ciência climática. “O esquema inclui gastar US$ 100.000 para espalhar a mensagem, em escolas de ensino fundamental e médio, de que ‘o tema das mudanças climáticas é controverso e incerto’ — dois pontos-chaves eficazes para dissuadir professores de ensinar ciências”, afirma o jornal, segundo documentos vazados do instituto. Além disso, o Heartland Institute é financiado por empresas de ligadas ao mercado de carvão e combustíveis fósseis.

Voltando a ativista alemã. No fim de fevereiro, entre os dias 26 e 29, aconteceu o Conservative Political Action Conference – CPAC (Conferência da Ação Política Conservadora, em português), nos EUA. Enquanto o auditório principal recebia políticos como Mike Pompeo, secretário de Estado dos EUA, e o deputado federal Eduardo Bolsonaro, cerca de 50 pessoas optaram por ver a jovem Naomi Seibt falar sobre o “alarmismo climático.” Seibt afirmou: “Fui doutrinada na escola para ser uma alarmista climática, mas fui inspirada a pensar mais por pessoas que encontrei online e cientistas”, disse a alemã. “A propaganda sobre mudança climática é associada à políticas que querem nos impor. Eles nos levarão à pobreza energética, que é uma maneira de nos controlarem. Vejo uma agenda socialista na raiz disso.” O fantasma do Socialismo é algo recorrente no discurso da alemã, do Heartland Institute e da CPAC (o slogan da conferência é “América vs. Socialismo” e o deputado brasileiro falou sobre “Os perigos do Socialismo”).

Tudo isso é o que diferencia Naomi de Greta. Enquanto a ativista sueca discursa sobre os perigos da mudança climática, seu oposto carrega bandeiras políticas bem definidas. Segundo o The Washington Post, “o instituto anunciou que contratou Naomi para integrar o centro de políticas ambientais. ‘Seibt trabalhará comunicando o realismo climático para a geração dela. Ao contrário da jovem comunicadora climática favorita da mídia global, Greta Thunberg, Naomi Seibt não quer que você entre em pânico’, diz o comunicado do instituto. Em um vídeo, Naomi critica a ‘mídia tradicional’ — mesma expressão usada por Steve Bannon [assessor político e estrategista-chefe da Casa Branca no governo Trump] e pelo movimento de direita conservador nos EUA — por sugerir que ela está sendo usada pelo instituto para ser a ‘Anti-Greta’. Em tom emocional, ela diz que sua intenção não é ser famosa e nem ganhar dinheiro, mas não nega e nem esclarece o vínculo com a instituição.” Ainda segundo o jornal, durante a CPAC, “ela diz não ser ‘negacionista’ das mudanças climáticas, para na sequência afirmar que é ‘ridículo’ acreditar que as emissões de CO2 do ser humano têm impacto no clima. Ela também garante que não quer ser a ‘Anti-Greta’, mas invoca ideias e o nome da ativista sueca a todo momento.”

Naomi Seibt: Uma imagem pensada para a oposição (ou não?)

Coincidentemente ou não, a imagem da jovem alemã parece ser trabalhada para funcionar perfeitamente como uma antítese de Greta Thunberg. Não só no discurso, mas também visualmente. Atualmente Greta tem 17 anos, mas a sueca começou todo o movimento há 2 anos, ou seja, a imagem difundida mundialmente da jovem é de uma adolescente com suas tranças características e um ar quase ingênuo. Já Seibt tem 19 anos e, mesmo assim, parece ser mais jovem que a sua antagonista.

No discurso, Seibt faz o oposto de Greta. Enquanto a sueca declara que “vocês roubaram os meus sonhos e minha infância com palavras vazias”, a alemã adota uma linha que podemos chamar de passiva-agressiva. “Eu tenho boas notícias para você. O mundo não está acabando por causa da mudança climática. Na verdade, daqui há 12 anos estaremos por aqui, tirando fotos no nosso iPhone 18S”, afirma a jovem em um dos vídeos divulgados pelo instituto.

Ao Washington Post, o diretor de pesquisas digitais do Atlantic Council, Graham Brookie, disse que a campanha de Naomi tenta distorcer fatos e distrair o público. “A tática tenta criar uma equivalência de mensagens. Nesse caso, é uma equivalência falsa entre uma mensagem baseada na ciência climática, que viralizou organicamente, e uma mensagem baseada no ceticismo climático, tentando recuperar o atraso usando a promoção paga”, afirmou o especialista.

Além disso, Seibt é uma youtuber (apesar da pouca relevância dos seus 71 mil inscritos e pouco mais de 1.5 milhão de visualizações, em grande parte no vídeo “Anti-Greta ou Pró Humanos?”, com legenda em alemão e inglês). O vídeo de Greta, publicado no canal oficial das Nações Unidas, tem mais de 1.2 milhão de visualizações, sem contar o vídeo da VICE News, que já reúne mais de 5.2 milhões de visualizações.

Em resumo, parece que a fatia negacionista da humanidade e aqueles com interesses financeiros na não propagação dos perigos das mudanças climáticas veem em Naomi Seibt um pequeno bote salva-vidas no maremoto que foi Greta Thunberg e uma esperança no fim do túnel em tentar mitigar o discurso que a ciência tanto alerta nos últimos anos, que a mudança climática é algo real e precisamos nos movimentar para diminuir seus impactos.

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