Categories Inova+Posted on 22/08/202219/08/2022China já criou mais de 200 novas variantes de plantas a partir do espaço Desde o surgimento da agricultura e das primeiras comunidades sedentárias, o ser humano desenvolveu inúmeras formas de seleção artificial para os alimentos que cultiva. Os enxertos, plantas híbridas formadas pela união física dos tecidos de duas plantas distintas, são um exemplo milenar, produzindo frutos diversos em uma só árvore. Já a transgênese, que consiste na manipulação dos genes do vegetal – muitas vezes com a introdução dos genes de outra espécie de planta – é outro exemplo famoso, para não dizer polêmico, de como a agricultura também foi incorporando as descobertas de outras ciências, em particular, a biologia. No entanto, e se criássemos plantas no espaço? Bem, não é de hoje que a ciência especula sobre isso: em 1982, no auge da corrida espacial, União Soviética foi responsável pela primeira planta do mundo enviada ao espaço, um exemplar da espécie Arabidopsis thaliana. Ainda assim, enviar uma planta já desenvolvida para o cosmos é muito diferente de plantá-las e vê-las crescer no espaço. Lá, a microgravidade e a atmosfera artificial consideravelmente diversas das da Terra, para não falar de outras condições, abrem mais um capítulo para a engenharia genética desses vegetais, sobretudo os que são úteis para a humanidade. Ciente desse enorme potencial, a China está investindo pesado nos estudos com esse tipo de seleção artificial na botânica. Não por acaso, o país já dispõe de campos inteiros de um tipo muito especial de trigo, desenvolvido utilizando a “mutagênese espacial”. Conheça o Luyuan 502, o incrível “trigo alienígena” criado pela China Conforme conta o artigo assinado por Tereza Pultarova, e publicado na coluna Future, do site da BBC, o Luyuan 502 não é só uma planta desenvolvida no espaço que encontrou seu lugar aqui na Terra. Trata-se da segunda variante de trigo mais cultivada no país, e que apresenta mais resistência aos períodos de seca, além de certas doenças. Na mesma toada do Luyuan 502, outras plantas cultivadas no espaço têm desenvolvido propriedades que as tornam mais interessantes para agricultura. De fato, a aleatoriedade envolvida no processo evolutivo não garante que as plantas crescidas no espaço serão mais resistentes ou saudáveis – muitas não conseguem nem crescer – mas há vezes em que a mutação “vinga”, e essa planta é selecionada para cultivo aqui na Terra. Mas por que essas plantas crescem diferente? Ainda que o ambiente fora do nosso planeta seja muito mais hostil à vida, a exposição dos vegetais a condições como raios cósmicos, baixa gravidade (quando comparada à da Terra), atmosfera artificial, entre outros, altera as condições nas quais as mutações genéticas ocorrem. Muito embora sejam, como dito anteriormente, aleatórias, a mutação genética que opera o mecanismo da evolução em nossos DNAs também é influenciada pelas condições do ambiente. Dessa forma, ao replicar seu código genético em circunstâncias completamente distintas das vistas na Terra, é possível induzir mutações igualmente diversas – e, muitas vezes, benéficas para o uso humano. “A mutagênese espacial produz lindas mutações”, explica cientista Liu Luxiang, diretor do Centro de Mutagenese Espacial para o Aprimoramento de Colheitas, da Academia de Ciências da Agricultura de Pequim, é um grande entusiasta das plantas crescidas e modificadas no espaço. À coluna da BBC, por exemplo, ele explica que o Luyuan 502 tem um rendimento 11% maior que a variante “padrão” do trigo chinês. Além disso, a planta sofre menos com os períodos secos, e é mais resistente às principais pestes que atacam o trigo. [O Luyuan 502] é um caso real de sucesso. Ele tem um alto potencial de rendimento e adaptabilidade, o que o faz poder ser cultivado em diferentes áreas com diferentes condições – explica o cientista. Apesar de ser um dos exemplares mais bem sucedidos do cultivo de novas plantas no espaço, o trigo E.T. é “só mais um” das 200 variedades de plantas que a China criou dessa forma. Ainda segundo Luxiang, nos últimos 30 anos, desde 1987, o país já desenvolveu variantes espaciais de arroz, milho, soja, alfafa, gergelim, algodão, melancias, tomates, pimentas e outros vegetais. Noutro trecho, o artigo destaca a liderança da pesquisa chinesa executar a técnica. Além de ser o país com o maior número de estudos na área, a China é quem mais tem variantes de alimentos desenvolvidos no espaço – a primeira delas, por exemplo, foi lançada em 1990. O Yujiao 1, como ficou conhecido comercialmente, é uma espécie de pimenta doce que produz um fruto muito maior e mais resistente a doenças. O mais interessante, no entanto é que, tal como citado no início da matéria, toda essa história de criar vegetais no espaço é consequência do alto investimento da China em… pesquisa aeroespacial. É isso mesmo, a vanguarda do país no desenvolvimento desses alimentos só foi possível porque os chineses têm se tornado assíduos frequentadores do espaço. Não por acaso, em 2006, conforme conta o artigo de Pultarova, a China enviou a maior carga de sementes e microorganismos registrada até hoje: mais de 250kg desses itens. Uma vez no espaço, os diferentes tipos de gramas, fungos e outras espécies de plantas são submetidos a diferentes experimentos – hoje, a maioria deles é realizada na Estação Espacial Chinesa de Tiangong, lançada em abril de 2021. Mas o programa de desenvolvimento de plantas “espaciais” não para por aí: em novembro de 2020, a missão espacial Chang’e-5 levou semente de arroz para a Lua. Após retornar à Terra, a sonda lunar foi recuperada e as sementes plantadas, produzindo grãos de até 1cm após 4 meses de cultivo. O segredo está na radiação Da mesma forma que uma aranha radioativa picou Peter Parker e causou uma mutação em seus genes, dando-lhe os poderes do Homem-Aranha, o segredo para a mutação singular das plantas espaciais é a radiação. Neste caso, porém, trata-se da radiação eletromagnética, sobretudo aquela que é filtrada pela atmosfera terrestre e, uma vez no espaço, bombardeia as sementes e mudas livremente. Ainda assim, não se engane, a mutagênese nuclear – aquela feita com elementos radioativos bombardeando as plantas – também existe, sendo inclusive mais antiga que a variante espacial. No caso daquela, entretanto, a irradiação dos vegetais é feita com raios-X, raios gama e feixes de íons, por maquinário produzido aqui mesmo na Terra. No espaço, por sua vez, há uma série de frequências eletromagnéticas, além de partículas, que não podemos acessar. Assim, é como se o cultivo dessas plantas fosse feito num solo diferente de tudo que há na Terra, auxiliando o desenvolvimento de novas fontes de alimento. Além disso, outra característica interessante da mutagênese espacial é que, devido ao fato das plantas se alimentarem de luz solar, e que parte do espectro emitido pelo sol fica contido na nossa atmosfera, levar as sementes e mudas para o espaço também às expõe a um sol diferente, muito mais intenso do que o alcançado pelas plantações aqui. Mutagênese espacial possibilita avanços que a transgênese tem dificuldades para oferecer Citada no início da matéria, a transgênese, que dá origem aos alimentos transgênicos, consiste na introdução ou inibição de genes em uma determinada planta. Como uma espécie de transplante, uma parte específica do DNA de um vegetal é implementado em outro, dando ao fruto, ou à planta, as características desejadas. No caso da mutagênese espacial, no entanto, os genes não são trocados pelos de outro DNA – é o DNA original que sofre alterações durante a reprodução celular. Em outros termos, a radiação provoca pequenos erros no processo de cópia do código genético, fazendo com que o DNA da cópia seja ligeiramente diferente do original, o que produz a mutação. Neste caso, conforme explica Shoba Sivasankar, é possível produzir variantes mais “excêntricas”, ou seja, com características que destoam mais da planta original, abrindo portas para mutações mais complexas. Aqui, fica uma dica de talvez por que a China seja líder nesse tipo de técnica, já que, a partir da maior diversidade produzida com a mutagênese espacial, as plantas e microorganismos resultantes atendem a necessidades mais específicas dos produtores chineses. Isso ocorre porque, segundo Sivasankar, enquanto a produção do ocidente se preocupa especialmente em ter plantas mais resistentes a insetos e herbicidas. Por outro lado, agricultores da China, e da Ásia como um todo, precisam de plantas capazes de tolerar a seca, crescer em solo salino ou, ainda, com menos nutrientes. Em resumo, são demandas mais específicas, o que também exige técnicas capazes de promover mutações mais complexas, uma vez que, ainda de acordo com o cientista, a transgênese não seria o meio ideal para tanto. Plantas criadas no espaço podem ser resposta à necessidade crescente por alimentos A China tem como um de seus maiores desafios ser o país mais habitado do mundo, com mais de 1 bilhão de pessoas para alimentar. Isso, por si só, já os incentiva a desenvolver métodos mais eficientes de produzir comida – o que inclui a engenharia genética. Nesse sentido, o avanço na produção de vegetais mais resistentes e que produzam mais frutos também é uma resposta à demanda crescente por alimentos. Segundo o Órgão das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura, a FAO, a demanda por produtos agrícolas deve aumentar em 60% nos próximos 30 anos. Some isso à importância de preservar recursos, igualmente em alta, e o desenvolvimento de uma agricultura mais eficiente torna-se mandatório, para além de conveniente. Por outro lado, a ideia também é interessante para a própria pesquisa aeroespacial, uma vez que contribui com a exploração do cosmos. Conforme ainda conta a matéria da Future, boa parte das pesquisas que envolvem o cultivo espacial de alimentos tem como maiores beneficiados os próprios astronautas. Na Estação Espacial Internacional, por exemplo, os pesquisadores tem plantado alface desde 2015, se alimentando da folhagem desde então. Em 2020, um estudo de longo prazo comprovou que a planta cultivada no espaço é segura para comer, além de oferecer grandes variedades de nutrientes, especialmente importantes em missões longas. Compartilhe esse artigo: