A Ilha de Lixo nas Maldivas e outros problemas que estão além dos filtros do Instagram

A Ilha de Lixo nas Maldivas e outros problemas que estão além dos filtros do Instagram

Seu despertador toca às seis da manhã, marcando o início de mais uma semana. Seus olhos fazem força para adaptar sua visão à brilhante tela do seu celular e seus dedos, quase que involuntariamente, já tocam o ícone do aplicativo do Instagram. Antes de dar a primeira espreguiçada do dia, você já sabe tudo o que está acontecendo em sua rede social favorita em questão de três ou quatro passadas de tela: seus amigos ainda estão postando fotos da balada do fim de semana, a filha do seu chefe ganhou um filhote de bulldog francês com presente de aniversário, aquela blogueira famosa acabou de desembarcar nas Maldivas e você só consegue pensar que não é possível que exista no Planeta Terra um mar tão azul assim.

O que essas fotos não mostram é que talvez um de seus amigos que estavam festejando no fim de semana pode estar lutando contra uma depressão, que são grandes as chances de seu chefe ter comprado aquele lindo filhote em um canil não credenciado e que a foto do mar mais azul do mundo com certeza não é em Thilafushi, uma ilha de lixo no meio das Ilhas Maldivas que mede o equivalente a 70 campos de futebol.

De acordo com um estudo realizado pela The Royal Society for Public Health, instituição de saúde pública do Reino Unido, o Instagram é a rede social que mais contribui negativamente para a saúde mental e o bem-estar dos usuários. Embora a plataforma ganhe pontos positivos por proporcionar a auto-expressão e a descoberta da auto-identidade, o Instagram também foi relacionado aos altos níveis de ansiedade, depressão, bullying e FOMO (“fear of missing out“, ou “medo de estar perdendo algo”).

No fim de abril deste ano, o Instagram anunciou que está testando um novo recurso que irá esconder do público as curtidas de cada foto, o usuário poderá ver apenas o número de curtidas de suas próprias fotos. Por enquanto, o teste está acontecendo no Canadá. Segundo o Instagram, a ideia é fazer com que os usuários se concentrem nas fotos e nos vídeos compartilhados, e não em quantas curtidas essas postagens ganharam. Além disso, a decisão também está relacionada a uma série de medidas que a plataforma vem tomando, numa tentativa de contribuir positivamente com a saúde mental dos usuários.

Na última semana, foi lançada a campanha #RealConvo, em parceria com a Fundação Americana para Prevenção do Suicídio, que usa as redes sociais para gerar conversas sobre saúde mental. O conceito é bem simples: as pessoas usam a hashtag #RealConvo para discutir saúde mental no Instagram. Ao compartilhar histórias, as pessoas podem se capacitar, encontrar recursos e ver que não estão sozinhas. Ao navegar pela hashtag, é possível ver gráficos, fotos e histórias pessoais postados com o objetivo de inspirar, quebrar preconceitos, mudar a forma como as pessoas pensam sobre a saúde mental e ajudar as pessoas a obter ajuda, caso precisem.

Embora muitos apontem a rede social de Mark Zuckerberg como a vilã e causadora de todo mal, a conversa talvez não precise tomar exatamente esse rumo. Não acredito que redes sociais sejam ruins e tóxicas em sua essência, acredito que o problema esteja em quem está atrás do celular — e na frente das câmeras. O Instagram não criou uma vida alternativa para cada um dos usuários, o Instagram não proíbe seus usuários de postar uma foto com aquela celulite aparecendo, nem proíbe que problemas reais da vida real sejam expostos. O problema que temos dentro desse cenário é que a vida editada, perfeitamente enquadrada, onde as cores são mais vivas e as peles são perfeitas, é algo que é fácil de ser criado no digital, ao mesmo tempo que é impossível de ser alcançado na vida real.

Mas você já está cansado de saber disso, não é mesmo? Você sabe das pequenas mentiras que as fotos do Instagram não mostram e talvez nem se importe tanto com isso. Você pode até ter rido quando aquela youtuber vegana foi “desmascarada” ao ser gravada comendo peixe e pode até achar que a foto do pôr do sol com alguns ajustes de cor fica até um pouco mais bonita do que na vida real. E tudo bem. Mas e quando as postagens dessa rede social mascaram coisas que são mais sérias que um estilo de alimentação falso ou um pôr do sol alaranjado demais?

Thilafushi: Uma ilha de lixo no meio das Ilhas Maldivas

A hashtag #Maldives mostra quase 7 milhões de publicações. As imagens são de tirar o fôlego. Um mar azul, azul, azul. Cafés da manhã em uma grande bandeja que flutua sobre as águas, jantares românticos ao lado de um aquário gigante, bangalôs que parecem ter saído de alguma série do Netflix sobre destinos luxuosos ao redor do mundo. O que essas fotos não mostram é que nos bastidores desse paraíso está uma ilha de lixo que ocupa um espaço de mais de 100 mil km². E isso você não encontra na hashtag #Maldives, nem se ficar rolando a tela por meia hora.

realidade-instagram-maldivas-thilafushi-lixo-inovacao-social-inovasocial-01

Qualquer solução de curto prazo pode criar um problema gigantesco mais tarde. Isso aconteceu quando as Maldivas buscaram uma solução para o descarte do lixo produzido pelos turistas diariamente. Todo esse lixo passou a ser jogado na Ilha Thilafushi e, com o tempo, o volume de lixo chegou a 330 toneladas por dia e a ilha logo se tornou o maior depósito de lixo do mundo. E, sim, é lá onde vai parar o lixo de cada pessoa que pisa nas Maldivas — tanto dos habitantes das ilhas, quanto da blogueira famosa que você segue no Instagram.

De fato, a questão do lixo não é algo específico das Maldivas. Esse é um problema com o qual praticamente todos os países precisam lidar. Mas a situação é um tanto contraditória, quando você se depara com fotos e mais fotos se referindo às Maldivas como o Paraíso. O problema é que o sol se põe até no Paraíso. E, quando olhamos para o lado sombrio da realidade, o cenário não nos parece tão paradisíaco assim.

TRASH ISLAND IN PARADISETRASH ISLAND IN PARADISE
Louise Delage: Quando o problema está diante dos seus olhos e, mesmo assim, você não o vê

Em 2016, o mundo conheceu Louise Delage, uma jovem francesa de 25 anos com milhares de seguidores no Instagram. A vida de Louise parecia perfeita: lindas fotos, encontros com amigos, drinks na piscina. Com apenas 150 fotos e vídeos publicados, a jovem já acumulava 65 mil seguidores e cada uma de suas postagens recebia mais de 50 mil curtidas. Mas as pessoas deixaram passar a coisa mais importante: Louise era alcoólatra.

Após o último post de Louise Delage, a surpresa que fez com que seu nome fosse um dos assuntos mais falados no mundo todo: aquela era uma personagem da campanha “Like my addiction”, criada pela agência de publicidade BETC.

Em cada um dos seus 150 posts, Louise estava acompanhada de uma bebida alcoólica. Confira:

Addict Aide - Like my addictionAddict Aide – Like my addiction

A campanha foi criada para a Addict Aide, uma organização que busca aumentar a conscientização sobre o alcoolismo entre os jovens. Stéphane Xiberras, diretor de criação e presidente da BETC Paris, disse que a ideia era mostrar como é difícil detectar o vício de alguém próximo. Louise Delage era uma moça comum, talvez muito parecida com pessoas próximas à pessoas que a seguiam. Olhando suas fotos, a ideia de que aquela era uma pessoa com um problema de vício em álcool passava longe — ao mesmo tempo que ele estava bem diante dos olhos de todos.

Mesmo tendo criado uma personagem para que ela ficasse acima de qualquer suspeita, na época da revelação da campanha, Xiberras disse ter se sentido frustrado ao ver que, apesar de Louise ganhar seguidores orgânicos em uma velocidade absurda, ninguém notava o problema pelo qual a jovem passava, mesmo com ele praticamente estampado em sua cara. O objetivo da campanha foi fazer com que as pessoas abrissem mais os olhos para os sinais de qualquer problema, para que cada uma das Louises reais espalhadas pelo mundo recebessem ajuda de pessoas próximas.

Traçando uma conexão entre a Ilha de Lixo das Maldivas e a campanha da BETC, chegamos à conclusão de que cada postagem em uma rede social tem seus bastidores. E, por mais que o mar do vizinho pareça mais azul e pôr do sol seja mais bonito, os bastidores dessas postagens podem ser muito mais sombrios do que podemos imaginar. Por isso, é preciso olhar através do filtro e entender que a realidade vai além de uma foto bonita com milhares de likes.

__

Gostou do texto e quer fazer parte da nossa comunidade? Envie uma sugestão de pauta, um texto autoral ou críticas sobre o conteúdo para [email protected].

 

Compartilhe esse artigo: