Robôs e IAs: Parceiros sexuais, Westworld e discussões sobre a nossa “humanidade”

Robôs e IAs: Parceiros sexuais, Westworld e discussões sobre a nossa “humanidade”

Inicio este texto com uma citação do livro “Homo Deus: Uma Breve História do Amanhã”, do historiador israelense Yuval Harari. “Muitos estudiosos tentam prever qual será o aspecto do mundo em 2100 ou em 2200. É uma perda de tempo. Qualquer previsão, para ser válida, deve levar em conta a capacidade de reengenharia das mentes humanas, e isso é impossível [de se imaginar].” O texto de hoje é sobre isso… sobre mentes humanas, futuro e prazer!

De acordo com o dicionário, o “prazer” é uma “sensação ou emoção agradável, ligada à satisfação de uma vontade, uma necessidade, do exercício harmonioso das atividades vitais etc.; alegria, contentamento, júbilo, satisfação.” Mas o prazer é muito mais do que isso. É também uma série de sinapses, dopamina e reações no córtex pré-frontal. Ou seja, o que é prazeroso para mim, pode não ser para você.

Ainda no mesmo livro citado acima, o autor afirma: “Quando um animal está em busca de algo que aumente suas probabilidades de sobrevivência e reprodução (por exemplo, alimento, parceiros ou status social), o cérebro produz sensações de vigilância e excitação que o impelem a fazer esforços ainda maiores, pois elas são muito agradáveis [prazerosas]. Num experimento famoso, cientistas conectaram eletrodos ao cérebro de ratos, os quais permitiam aos animais criar sensações de excitação simplesmente apertando um pedal. Quando se ofereceu aos ratos a opção entre ganhar uma comida saborosa ou apertar o pedal, eles preferiram o pedal. (…) os ratos pressionavam o pedal sem parar, até desabarem de fome ou exaustão.” Com esta introdução, vamos ao tema central do nosso texto, robôs e a sociedade do futuro.

Robôs sexuais: O “pedal” para a exaustão de uma sociedade no futuro

Você talvez já tenha ouvido falar sobre robôs e bonecos sexuais. Talvez o primeiro pensamento que venha à mente é “já e isso é muito estranho!”. A questão é que, assim como a indústria pornográfica, existe um mercado imenso para estes bonecos (nota importante: existe uma diferença significativa entre robôs e bonecos; e que faz toda a diferença no nosso texto sobre futurismo). Enquanto eles são meros bonecos, usados apenas para o prazer, não passam de um objeto usado para saciar um prazer humano. Mas o que acontece quando o transformamos em robôs? E quando adicionamos inteligência artificial?

Veja bem, não estou dizendo que eles ganharão consciência ou que deixaram de ser objetos (pelo menos neste primeiro momento), mas — como publicado em um texto da Vox, em 2018 — é possível sentir amor mútuo com um robô? E se for possível, isso tornaria as relações entre seres humanos menos desejáveis? Essas são algumas perguntas feitas por Lily Eva Frank, professora de filosofia da Universidade Técnica de Eindhoven, na Holanda, no livro “Robot Sex: Social and Ethical Implications” (“Sexo com robôs: Implicações sociais e éticas”, em tradução livre). Em entrevista para a Vox, a autora afirma “eu acho que as pessoas são estranhas o suficiente para que seja possível que elas se apaixonem por um gato, um cachorro ou uma máquina que não retribui os sentimentos. Alguns defensores de bonecas sexuais e robôs afirmam que os amam.”

Você deve estar pensando “ah, mas eles representam apenas um pedacinho da sociedade”. Ok, concordo com você (em partes), mas vamos mais a fundo! Imagine um mundo onde os robôs são algo comum. Onde eles fazem parte da nossa sociedade como “colaboradores”, ou seja, trabalham conosco, prestam serviços e até cuidam de nossos filhos. Um cenário bem parecido com o mundo que citamos no texto “Detroit Become Humam: Um jogo sobre empatia e humanidade”. E, veja bem, eles nem precisam ser tão “palpáveis”, basta imaginarmos um mundo como o representado no filme “Her” (veja o trailer abaixo), onde a “presença” deles é virtual.

ElaEla

O universo de Her não é tão surreal e o protagonista não precisa nem ser uma pessoa solteira. De acordo com a pesquisa “Moral Psychology of Sex Robots: an experimental study — How Pathogen Disgust is associated with interhuman sex but not interandroid sex” (“Psicologia moral dos robôs sexuais: Um estudo experimental — Como o aversão por patógenos está associado ao sexo inter-humano, mas não ao sexo inter androide”, em tradução livre), da Universidade de Helsinque, na Finlândia, afirma que as pessoas preferem traições com robôs, do que com humanos.

Sim, segundo a pesquisa, seria menos condenável participar de um parque como o da série Westworld (exibido pelo canal HBO e que tem sua terceira temporada prevista para começar no próximo domingo, dia 15 – veja o trailer abaixo), do que entrar em uma espaço de prostituição tradicional. A pesquisa afirma que “pagar pelos serviços de um robô sexual é condenado de maneira menos severa, do que pagar pelos serviços de um profissional do sexo humano, especialmente se o pagador for casado.” O estudo ainda conclui que “pesquisas futuras oferecerão novas possibilidades para entender a cognição sexual e moral humana, concentrando-se em como os seres humanos se relacionam com os relacionamentos sexuais com androides, além de meras fantasias produzidas por ficção científica, como Westworld ou BladeRunner. À medida que os robôs sexuais entrarem em produção em massa no futuro próximo, a opinião pública se estabilizará sumamente em relação às atitudes morais em relação ao sexo com robôs”

Westworld | Trailer Oficial Terceira Temporada | HBOWestworld | Trailer Oficial Terceira Temporada | HBO

Mas o tema é ainda mais complicado. Segundo a BBC News, “pesquisadores americanos alertam que a venda de robôs sexuais com inteligência artificial representa uma ameaça psicológica e moral cada vez maior para os indivíduos e a sociedade. Eles dizem que essa tecnologia está escapando ao controle, já que as agências de supervisão ficam constrangidas demais para investigá-la.” Veja bem, não vou nem entrar na questão que alguns destes robôs são parecidos com crianças (um prato cheio para pedófilos) e/ou que outros simulam embates e estupros. Isso, sim, é algo doentio e bem mais complicado, pois envolve leis e segurança dentro de uma sociedade civilizada.

Vamos voltar ao nosso cenário futurista. Robôs e assistentes virtuais são parceiros construídos sob medida. Eles não entram em conflitos com os nossos desejos, se adaptam a cada escolha nossa e suprem prazeres do ser humano. Quais implicações impactam nossa sociedade? Taxa de natalidade menor, redução de empatia e pessoas mais introspectivas seriam apenas alguns dos impactos sociais que teríamos ao colocar robôs no papel de seres humanos. Na série Westworld, por exemplo, robôs possuem quase uma consciência humana, mas ainda assim são tratados como objetos. Além disso, quais seriam os impactos na forma como consideramos humanos e máquinas? Isso tudo é um grande exercício de psicologia, ética, direito e economia.

Ética e direitos dos robôs: O banimento dos robôs sexuais

A grande pergunta é… Por que robôs precisam fazer parte desta camada do ser humano, a dos prazeres (principalmente, os sexuais)? Por que não podemos simplesmente adotar, como regra, que robôs e inteligências artificiais são assexuais? A resposta é até que simples. Porque existe mercado! E, se existe mercado, existe dinheiro para movimentar tudo isso.

Mas muita gente já divide opiniões. Enquanto alguns acreditam que os robôs funcionariam como uma forma de controle (principalmente de criminosos sexuais) e de reduzir o trabalho sexual humano — que também impacta no tráfico sexual, outros especialistas acreditam que os robôs sexuais deveriam ser banidos. De acordo com a pesquisadora Kathleen Richardson, da Universidade de Montfort, no Reino Unido, “o uso de robôs para o sexo (adultos e crianças) é justificado com base no fato de que os robôs não são entidades reais, são coisas. Essa narrativa também é reproduzida na produção de vídeos maldosos e imagens de abuso sexual de crianças em ambientes de realidade virtual.” Kathleen é uma das que encabeçam a campanha contra robôs sexuais. A pesquisadora ainda afirma, “o desenvolvimento de robôs sexuais irá ajudar na objetificação de mulheres e crianças ainda mais”, e completa “acreditamos que o desenvolvimento de robôs sexuais irá reduzir a empatia humana, que pode ser desenvolvida apenas por experiências de relacionamentos mútuos.”

Por fim, existe a questão relacionada aos direitos dos robôs. De acordo com Paresh Kathrani, professor de Direito da Universidade Westminster, “à medida que as máquinas inteligentes se entrelaçam mais em nossas vidas, há uma boa chance de que nossos princípios humanos nos forcem a reconhecer que eles também merecem direitos.” E isso é algo que já vemos acontecer em vários momentos. A Arábia Saudita, por exemplo, concedeu cidadania ao protótipo de androide criado pela Hanson Robotics. Ou seja, se algum ato de violência atingisse Sophia (o androide em questão) em território saudita, em teoria, ela teria proteção jurídica. Se o mesmo que aconteceu com Samantha, a robô sexual que foi molestada em um festival de tecnologia na Áustria ou alguma situação da série Westworld (onde robôs são violentados e “assassinados”), ocorresse com Sophia na Arábia Saudita, a pessoa seria presa por estupro, e não por destruir uma propriedade privada.

Além disso, quais as implicações de dar uma cidadania para um robô? Ele poderá votar? Terá direito a uma aposentadoria? No Japão, o “jovem” Shibuya Mirai, uma inteligência artificial feita para parecer um garoto de 7 anos, recebeu cidadania com residência em Shibuya, Tóquio. Ao contrário de Sophia, Mirai não tem corpo físico, ele é apenas uma inteligência artificial como a Samantha, do filme Her, e mesmo assim recebeu um importante reconhecimento. Talvez não no Japão, mas em muitos lugares pelo mundo, minorias lutam por reconhecimento e valorização.

Para Carlos Affonso, diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade (ITS Rio) e professor da Faculdade de Direito da UERJ, em entrevista para o site Tilt/UOL, “a discussão transcende a responsabilidade legal e trata da nova relação homem-máquina, já que ‘começamos a considerar que esses dispositivos sejam dignos de uma tutela jurídica que vai além daquela que damos para os bens corpóreos em geral’.” Em resumo, discutir sobre a posição dos robôs em nossa sociedade, se eles devem ou não serem usados como objetos sexuais, tem mais a ver com a nossa humanidade, do que a deles.

Imagem Destaque: Fossiant/Shutterstock

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