Indústria da Moda & Sustentabilidade: uma parceria que não está progredindo o quanto deveria

Indústria da Moda & Sustentabilidade: uma parceria que não está progredindo o quanto deveria

Até 2030, em seu atual ritmo de crescimento, a indústria da moda deve valer US$ 3,3 trilhões e vai fabricar 102 milhões de toneladas de roupas e calçados. Para comparação, esse é o equivalente a meio milhão de baleias azuis. Se nada mudar, espera-se que o mundo experimente uma grave catástrofe relacionada ao clima na década de 2040. Muitas regiões costeiras estarão submersas, a comida será escassa e os recifes de corais serão extintos, de acordo com as previsões das Nações Unidas.

Mas como essas duas coisas estão relacionadas?

A moda é uma indústria massivamente poluente que está acelerando o ritmo do desastre climático previsto. Em 2015, o setor gerou 1,2 bilhão de toneladas de gases de efeito estufa, o que é mais do que todos os voos internacionais e viagens marítimas combinados. (Ele também é responsável por um quinto da poluição global da água e um terço dos microplásticos nos oceanos.)

Nos últimos anos, a indústria da moda pareceu estar lidando o desafio de diminuir seu impacto no planeta. Mas o ritmo do progresso está diminuindo.

Isso de acordo com um novo relatório produzido pelas organizações sem fins lucrativos Global Fashion Agenda e Sustainable Apparel Coalition, junto à Boston Consulting Group. Com base no sistema de pontuação do relatório, o Pulse Index, que leva em conta as metas de sustentabilidade entre as marcas de moda e a implementação dessas metas, a indústria subiu seis pontos no ano passado, mas subiu apenas quatro pontos este ano.

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“A indústria ainda está melhorando em relação à sustentabilidade”, diz Morten Lehmann, diretor de sustentabilidade da Global Fashion Agenda, e coautor do relatório. “O problema é que o ritmo da melhora está diminuindo, enquanto a indústria como um todo cresce entre 4% e 5% a cada ano”.

Em outras palavras, as empresas de moda não estão mudando suas práticas com rapidez suficiente para contrabalançar os impactos ambientais devastadores que surgem com o crescimento tão rápido de uma indústria. Essa é uma informação importante, pois muitas grandes empresas de moda estiveram nos destaques das notícias nos últimos meses por seus esforços de sustentabilidade. No ano passado, a Adidas prometeu usar apenas plástico reciclado até 2024, enquanto a Nike diz que usará energia renovável até o final deste ano. A H&M, gigante sueca do mercado de fast fashion, anunciou que a empresa produz atualmente 57% de seus produtos a partir de materiais reciclados ou de “origem sustentável”; e a Gap (que atua no Brasil há 6 anos) anunciou que obterá todo seu algodão de “fontes mais sustentáveis” até 2021.

Se você acha que isso é o suficiente, não se engane. A indústria da moda ainda está longe de ser sustentável. Na verdade, o relatório constata que 40% de todas as empresas de moda nem sequer começaram a levar a sério a questão da sustentabilidade, estabelecendo metas e repensando sua cadeia de fornecimento. Entre os 60% restantes, boa parte da melhoria está acontecendo com pequenas empresas (ou com menos de US$ 100 milhões em receita por ano, que inclui muitas startups) e empresas de médio porte (que ganham menos de US$ 1 bilhão em receita por ano). Entre os maiores players do mercado, que faturam bilhões em receita todos os anos, o ritmo de melhora praticamente parou.

Segundo Lehmann, a indústria só pode avançar se grandes empresas começarem a trabalhar juntas para compartilhar soluções. Existem alguns grandes desafios de infraestrutura que a indústria precisa enfrentar, como a construção de instalações de reciclagem de roupas e calçados, o desenvolvimento de novos materiais mais sustentáveis e o uso de tecnologia para tornar a cadeia de fornecimento menos desperdiçadora e mais eficiente.

“As empresas parecem estar chegando ao limite do que ela podem alcançar sozinhas”, diz Lehmann. “Precisamos de um novo modelo de mercado, onde as marcas realmente trabalhem juntas para compartilhar soluções. Caso contrário, as coisas não vão melhorar rápido o suficiente para evitar um desastre”.

Já estamos vendo alguns esforços de colaboração aberta, mas geralmente entre marcas menores. A Allbirds (startup do setor de calçados com sede em São Francisco, Califórnia), por exemplo, trabalhou com uma empresa petroquímica no Brasil para desenvolver espuma a partir de açúcar de origem sustentável em vez de petróleo — e a empresa deixa a fórmula desse novo material aberta para que qualquer outra marca de calçados possa usá-la.

Vendo a questão numa perspectiva geral, estes são apenas pequenos passos. Para consertar uma crise tão grande, as empresas precisam compartilhar ideias e implementar soluções de maneira muito mais ampla e rápida.

O relatório aponta que, para alcançar a mudança que precisamos, a cobrança deve vir de muitas frentes. Os governos e os parlamentares precisam criar políticas que façam com que as marcas a cumpram padrões de sustentabilidade mais elevados, os investidores precisam apoiar marcas com missões fortes e a mídia deve continuar a chamar a atenção para os problemas do setor.

Mas você, como consumidor, também tem um papel muito importante dentro disso tudo. Segundo o relatório, 38% dos 3.000 consumidores entrevistados em todo o mundo dizem que trocaram sua opção de marca favorita para uma outra marca que representa práticas ambientais e/ou sociais positivas. ”Os jovens são ainda mais propensos a fazer essa mudança, quase metade deles mudou de marca com base nessas considerações. Os consumidores estão ativamente punindo marcas que não têm práticas ecológicas”, diz Lehmann. “E a próxima geração é ainda mais propensa a fazer isso. As marcas estão ouvindo.”


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A preocupação dos consumidores está crescendo em todo o mundo. O relatório constatou que 75% dos compradores dos cinco países — Estados Unidos, Reino Unido, França, China e Brasil — consideram a sustentabilidade extremamente ou muito importante. Os pesquisadores também descobriram que houve um forte aumento, de forma global, nas menções positivas sobre sustentabilidade na moda em mídias sociais. Em outras palavras, precisamos continuar pressionando a indústria para que as marcas se empenhem mais.

Podemos recompensar marcas que estão trabalhando para melhorar as coisas e punir marcas que não se importam o suficiente com o futuro do planeta, e seus esforços como consumidor são mais importantes do que nunca. Se você já acompanha o InovaSocial há um tempo, existe uma boa chance de você já estar preocupado com a mudança climática. Afinal, é um assunto que sempre insistimos em trazer para nossas discussões; além disso, cada vez mais pessoas estão se preocupando com essa questão. De acordo com o relatório, a ansiedade sobre o aquecimento global e os desastres naturais são os dois principais gatilhos para o consumo consciente.

Se você está se sentindo impotente com relação ao futuro do planeta, uma forma de canalizar essa ansiedade é pensar cuidadosamente sobre o que você compra e de quem você está comprando. Assim, quem sabe, vamos conseguir fazer com que a indústria da moda pense além próxima temporada.

Para ler o estudo completo, clique aqui.

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Créditos: Imagem destaque – Sorbis | Shutterstock

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